O papel do Brasil na integração regional latino-americana

Por Bernardo Salgado Rodrigues

A partir da primeira década do século XXI, o Brasil começou a desenvolver uma estratégia de afirmação internacional e expansão de sua presença em alguns tabuleiros geopolíticos, buscando aumentar sua capacidade de defesa autônoma de suas demandas internacionais. A projeção de poder e liderança brasileira, fora de suas fronteiras nacionais, pode ser realizada através da coerção, da cooperação e da sua capacidade de transferir dinamismo econômico para sua zona de influência ou seu entorno estratégico.
O redesenho da geometria econômica internacional baseada nas mudanças econômicas na América Latina é um fato novo e de enorme importância. Segundo Fiori (2013, p.14), “a América Latina será cada vez mais hierarquizada e o futuro da América do Sul, em particular, será cada vez mais dependente das escolhas e decisões tomadas pelo Brasil.” Logo, o país se encontra em uma posição estratégica “to appraise leverage or pivotal impact in international relationships. Certain countries are found in central or middle positions and, thus, may enjoy certain advantages in trade, resources access, and leadership” (KELLY, 1997, p.15).
A soma de todas as suas potencialidades faz com que o Brasil se apresente como espaço primordial de promoção do desenvolvimento da região, com maiores ganhos para os países menos desenvolvidos. Seja pelo seu grande mercado consumidor, pelo seu parque industrial, pelo seu potencial agrícola, ou somente pelo grande espaço para a expansão do consumo, gerado simplesmente pela melhoria da distribuição de renda. Um crescimento constante por parte da economia de maior desenvolvimento, quando complementado com uma busca pela maior integração regional, proporcionará um aumento das importações desses parceiros, aumentando a demanda pela produção desses países e, por conseqüência, seu interesse em colaborar com uma estratégica geopolítica que priorize a integração, diante dos desafios externos impostos pela economia mundial. (COSTA, 2013, p.675-676)
Se o Brasil deseja mudar sua participação na distribuição internacional de poder e riqueza, deve questionar a hierarquia internacional e adotar estratégias de mudança do status quo, ensejando uma maior participação da América Latina como um novo pólo do sistema mundial. Logo, dado seu peso específico, é de fundamental importância que o Brasil assuma o papel de grande player regional e internacional, de motor da expansão econômica (COSTA, 2013, p.675), de “país ballena[1]” (SOSA, 2013, p.137), de “Brazil as leader of integration” (KELLY, 1997, p.179) pretendida na América Latina. Desta forma, deve cooperar com os maiores e menores Estados da região, mas se fortalecendo como centro polarizador e dinamizador, econômico e político. Assim, o caminho para a inserção internacional do Brasil deve ser compreendido a partir da integração e cooperação latino-americana.
A integração regional torna-se elemento-chave desse processo, capaz de afirmar na América Latina um importante centro de acumulação internacional. A transição para a multipolaridade e a emergência da China e do Leste Asiático como principais eixos dinâmicos da economia mundial nas últimas décadas indicam seu protagonismo na organização do sistema mundial no século XXI. O crescente nível de coordenação que os Brics vêm assumindo em matéria de política internacional e a inclusão de temas estratégicos em suas cúpulas anuais, como alternativas monetárias ao dólar, democratização dos organismos internacionais, apoio às soluções pacíficas e diplomáticas e a redução das assimetrias do comércio internacional, sinalizam a possibilidade de que se afirme a tendência à multipolaridade e de que esta se desdobre em cooperação científico-tecnológica. Neste sentido, poderá vir a impulsionar na América Latina um importante centro de acumulação da economia mundial através de destacada participação brasileira.
A integração regional é parte integrante e indivisível do pilar que compõe a estratégia de inserção internacional, de desenvolvimento e de política externa do Brasil. Assim, o país se apresenta como centro polarizador e dinamizador da integração latino-americana: 1) como um ator indispensável para a construção de um diálogo político internacional que contribui para a formação de outra estrutura de governança global; 2) como liderança na América Latina por sua influência política e geoestratégica, além de possuir capacidades materiais, organizacionais e doutrinárias para a formulação de um projeto em conjunto com o seu entorno estratégico; 3) por já desempenhar um papel central nos processos de integração e no seu aprofundamento e; 4) por possuir centros de crescimento industrial e de inovação que podem engendrar resultados de importância regional e internacional.
A característica central que atualmente distingue a América Latina do resto do mundo é a desigualdade. A expectativa é de um processo em que as diversas iniciativas se tornem sinérgicas, ao mesmo tempo em que o enfrentamento da desigualdade, a busca da desconstrução das assimetrias regionais, a construção de uma identidade regional, a instauração de uma complementaridade, cooperação e autodeterminação entre os povos e as nações, a ampliação da participação de componentes sociais e a projeção/inserção internacional mais soberana representem um objetivo comum. Este o papel central do Brasil no desenvolvimento e na integração da América Latina.
 
Referências
COSTA, Darc. Do sonho do Mercosul à realização da Unasul. In: GADELHA, Regina Maria A. F.. Mercosul a Unasul: avanços do processo de integração. São Paulo: Educ, 2013. p. 661-682
FIORI, José Luís. O poder global e a nova geopolítica das nações. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
KELLY, Philip. Checkboards and Shatterbelts: The geopolitics of South America. Austin: University Of Texas Press, 1997.
SOSA, Alberto J.. ¿Mercosur frente a la Unasur? In: GADELHA, Regina Maria A. F.(Org.). Mercosul a Unasul: avanços do processo de integração. São Paulo: Educ, 2013. p. 119-149.

[1]Según la terminologia del Itamaraty este tipo de países se caracteriza por su gran dimensión geográfica, demográfica y económica y por el hecho de que cuando se ponen en marcha sacuden al sistema mundial.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353