O Brasil no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas: análise do desempenho no terceiro ciclo da Revisão Periódica Universal

Volume 10 | Número 97 | Mar. 2023

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Por Eduarda Lopes de Souza

A criação de um mecanismo no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) para estimular a cultura da proteção internacional é um dos seus maiores objetivos desde sua criação em 1945. Para alcançar esse objetivo, ao longo da história da organização foram feitos inúmeros esforços que envolvem desde a criação da Comissão de Direitos Humanos, sua substituição pelo Conselho de Direitos Humanos e, finalmente, o estabelecimento da Revisão Periódica Universal (RPU) em seu âmbito. O RPU é um mecanismo que prevê um processo de análise participativo e mútuo de todos os Estados membros da Organização das Nações Unidas, estabelecendo o monitoramento do status da proteção dos direitos humanos de forma inédita na organização internacional (ALSTON, 2006).

Short (2008, p. 181) pontua que o RPU “não é apenas um mecanismo de revisões periódicas, mas também um sistema de monitoramento que compreende a dinâmica entre pares.”, ou seja, tem como objetivo a promoção da avaliação entre Estados. Porém, para além dos atores estatais, o mecanismo prevê a participação das organizações não governamentais e da sociedade civil no âmbito do Conselho de Direitos Humanos. A partir da reforma do Conselho, que se sucedeu em 2011, as ONGs obtiveram um papel preponderante em “monitorar e cobrar dos Estados que coloquem a proteção aos direitos e à dignidade humana acima de quaisquer outros interesses” (NADER, 2007, p. 10).

Em vigor desde o primeiro ano de fundação do Conselho, o RPU nasce com o intuito de ser uma ferramenta de análise e implementação de mudanças no âmbito dos direitos humanos a partir das discussões promovidas pelos grupos de trabalho e do apoio mútuo entre Estados. Sen (2011, p. 8) propõe a divisão da ferramenta em dois conceitos: “processo”, que refere-se aos ciclos temporais de quatro anos, onde os países implementam recomendações dos ciclos anteriores e medidas que ampliem a proteção dos direitos humanos em seu âmbito, e “mecanismo”, termo que compreende os procedimentos realizados quando os Estados se reúnem no fim de cada ciclo para promover a Revisão Periódica Universal.

O processo se constitui por meio de ciclos de duração estimada de quatro anos e meio, onde são avaliados todos os Estados membros da ONU. Anualmente, busca-se analisar 48 países por meio de três sessões conduzidas pelo Grupo de Trabalho. O mecanismo utiliza em sua averiguação relatórios oficiais produzidos pelo poder estatal, pela própria ONU e pelas organizações da sociedade civil vinculadas à proteção dos direitos humanos. É notável diversidade de fontes utilizadas para elaborar a Revisão, permitindo o aprofundamento da análise a partir das considerações das entidades sociais (ANNONI E SANTOS, 2015; SHORT, 2008).

O mecanismo funcionaria, em um primeiro momento, anualmente, a partir da observação do histórico e dos obstáculos que impedem a implementação da proteção dos direitos humanos de 28 membros efetivos do organismo, dois Estados em regime de voluntariedade e 18 Estados membros escolhidos de forma randômica. A análise é feita com base na Carta Internacional de Direitos Humanos, a Carta da ONU e os demais tratados sobre o tema que o Estado tenha ratificado (BELLI, 2009; SEN, 2011; SHORT, 2008).

Um grupo de três países é designado para facilitar o processo de revisão, denominado de Troika. Ela é responsável por guiar o país nos intercursos do processo de análise, apoiando-o nas etapas que precedem e sucedem a sessão principal do RPU. O Estado participante do processo possui liberdade de escolher responder aos itens questionados de forma prévia ao processo de Revisão ou aqueles apontados no momento da atuação do Grupo de Trabalho (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2008).

A principal sessão da Revisão Periódica Universal é o Diálogo Interativo, estabelecido dentro do Grupo de Trabalho. Nele, os Estados se apresentam oralmente e abordam as problemáticas apresentadas pelos membros, além de qualquer outro tipo de questionamento sobre o tratamento dos direitos humanos pelo Estado avaliado. O espaço de apenas três horas para cada país, numa tentativa de implementar a igualdade de parâmetros, não observa as possíveis disparidades na promoção da proteção dos direitos humanos por cada um deles, já que o histórico do Estado analisado não é levado em consideração (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2008; SEN, 2011; SHORT, 2008).

Finalizado o Diálogo Interativo, o Grupo de Trabalho produz um relatório referente à sessão realizada, onde são descritos os apontamentos realizados, o posicionamento do Estado observado e as recomendações entregues. A troika designada também produz um relatório. Apesar da liberdade fomentada no mecanismo sobre a proposição de sugestões e questionamentos para o Estado revisado, a Revisão não é capaz de impor obrigações nem mesmo cobrar ações efetivas sobre as questões observadas, pois vigora o princípio da soberania estatal. Os Estados são obrigados a entregar uma resposta às recomendações realizadas, porém, apenas implementarão as mudanças que desejarem (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2008; DIBBERN E SERAFIM, 2019; SEN, 2011). Por ser composto por momentos que se retroalimentam, finalizadas as etapas presenciais de análise, inicia-se um debate acerca de sua relação com a promoção dos direitos humanos. Fica sob responsabilidade do Estado a análise e implementação das recomendações recebidas, além da produção de um relatório que aponte as iniciativas realizadas e que deve ser apresentado no próximo ciclo da Revisão Periódica Universal. Caso seja necessário, o Conselho de Direitos Humanos e os demais Estados participantes do processo de Revisão podem atuar nos provimentos necessários para que o país revisado seja capaz de cumprir as recomendações propostas (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2008; DIBBERN E SERAFIM, 2019; SEN, 2011; SHORT, 2008).

TERCEIRO CICLO DO BRASIL

O terceiro ciclo da Revisão Periódica Universal se iniciou em 2017, em meio ao Governo Temer instaurado em maio de 2016, após a interrupção do mandato da presidente Dilma Rousseff, e se prolongou até 2022, compreendendo grande parte do Governo Bolsonaro. O período tornou-se o foco de análise deste artigo pelo momento conturbado de crise política e econômica que assolou o Brasil. Busca-se entender até que ponto os cortes no orçamento, o desmonte de programas sociais e a tomada do poder por um governo de extrema direita afetaram as políticas de proteção e promoção dos direitos fundamentais no âmbito brasileiro.

Nesse ciclo, é possível observar pela primeira vez o funcionamento do mecanismo de forma ideal: o Brasil possuia recomendações dos ciclos anteriores para responder; já havia sido criado um mecanismo para monitorar o status da proteção interna; os documentos que o Estado analisado produz sobre o ciclo foram devidamente entregues e a sociedade civil participou ativamente do processo de revisão, enviando pareceres e realizando de forma autônoma a averiguação da implementação das recomendações.

Para entender a efetividade do RPU nesse momento, foram analisados dois documentos: o relatório que concentrou informações sobre o tratamento dos direitos humanos pelo Estado brasileiro, produzido pela sociedade civil e entregue ao Grupo de Trabalho e o relatório produzido pelo Coletivo RPU Brasil, que reúne, classifica e avalia a implementação das recomendações no âmbito interno.

O primeiro documento, que engloba as impressões da sociedade civil, destacou os retrocessos significativos que o Brasil passou a enfrentar, dentre eles, o rebaixamento da Secretaria de Direitos Humanos, que possuía status de ministério e passou a ser subordinada ao Ministério da Justiça e Cidadania.

O governo instaurado após o afastamento da Presidente Dilma Rousseff foi acusado de realizar mudanças que enfraqueceram a proteção proporcionada por direitos constitucionais, principalmente com a proposição da PEC 55, que previa o congelamento de gastos que afetaram principalmente áreas voltadas ao bem estar social, saúde e educação (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2017).

Com a eleição de Bolsonaro, ainda durante o terceiro ciclo, os ataques às populações indígenas se intensificaram, tornando-se recorrente a divulgação de fake news por representantes do Governo Federal. É notável a perseguição e a precarização de projetos e medidas que beneficiavam os povos originários, a população LGBTQIA+ e as minorias em geral, parte da população mais atingida pela violência sistemática (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2017).

O Brasil foi mais uma vez afetado por desastres ambientais causados pelo acumulo de rejeitos de minério, provocando o “questionamento da efetividade dos mecanismos brasileiros de prevenção legal, do controle da poluição e a lei de responsabilidade ambiental” (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2017, p. 2). A Amazônia foi também mencionada, por conta das queimadas ilegais na floresta que violam uma multitude de direitos fundamentais (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2017).

A Lei Antiterrorismo, adotada com a justificativa de performar como mecanismo de proteção para os grandes eventos ocorridos no Brasil, se mostrou uma grande ameaça para os direitos civis e políticos. Sua definição abrangente do que pode ser classificado como ato terrorista, permite o enquadramento de indivíduos envolvidos em manifestações de qualquer natureza (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2017).

O uso excessivo da força que resulta em números alarmantes de assassinatos pelas polícias não foi controlado, apesar da tentativa de minimizar os registros das ocorrências classificando-as como “auto de resistência”. Para solucionar o problema, é preciso rever a natureza militar das polícias brasileiras e estabelecer uma supervisão efetiva (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2017).

A condição da população carcerária foi novamente destaque nas recomendações do Conselho. A presença brasileira em quarto lugar no número de indivíduos encarcerados no mundo demonstra um caso alarmante, uma vez que o país enfrenta problemas estruturais de superlotação, tortura e altos índices de violência em suas instalações (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2017).

Os mecanismos necessários para auxiliar a promoção dos direitos fundamentais no Brasil ainda não haviam sido devidamente implementados. O Programa Nacional para a Proteção dos Direitos Humanos foi reestruturado, mas falhou em ser institucionalizado pelo governo brasileiro, impedindo mudanças estruturais que impactariam no resguardo de direitos. Também foram observadas falhas no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, que não foi capaz de alocar e proteger indivíduos em risco, como jornalistas e lideranças indígenas (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2017).

Apesar do aumento na fiscalização e dos registros de casos nas áreas rurais e urbanas do país, casos de trabalho análogo à escravidão são recorrentes. Porém, os esforços disseminados para a erradicação da escravidão moderna, dentre elas, iniciativas de desapropriar terrenos onde o trabalho escravo é flagrado e a criação da “Lista Suja”, onde constam dados de indivíduos que sujeitam seus empregados a condições análogas à escravidão, colocaram o Brasil em posição de relevância internacional (CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS, 2017).

Em 2018, ano seguinte ao terceiro ciclo do RPU, pela primeira vez, foi organizado um relatório de meio período pelo Coletivo RPU Brasil, concentrando as visões da sociedade civil acerca do cumprimento das iniciativas que o Brasil se comprometeu no âmbito do Conselho de Direitos Humanos. O Coletivo RPU é uma instituição formada por 25 organizações brasileiras com o intuito de acompanhar os ciclos brasileiros de forma independente, pois não há um mecanismo e nem uma instituição para acompanhar a evolução das recomendações emitidas (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

O documento pontua que “a história recente do país aponta para uma série de retrocessos institucionais, seja em matéria de participação democrática, desenvolvimento sustentável ou direitos humanos” (COLETIVO RPU BRASIL, 2019, p. 4), com o adendo que tais atrasos impactaram diretamente na perseguição sofrida pelas parcelas minoritárias da sociedade brasileira. Há menção ao início do processo de extinção da transparência governamental, a partir da não divulgação de dados sobre as políticas internas em uníssono com o desmonte de instituições como o Conselho Nacional de Direitos Humanos. A própria temática é reconhecida como alvo de sucessivos ataques que minam a concessão de direitos no país. Se observa o estreitamento da proteção, fato observado inclusive em discursos internacionais, de forma a alterar o posicionamento internacional brasileiro de defesa dos direitos humanos  (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

A implantação de uma instituição nacional de direitos humanos de acordo com os Princípios de Paris, tema presente em sete recomendações e requisitada desde o primeiro ciclo, não foi executada. O Conselho Nacional de Direitos Humanos foi criado nos moldes previstos, porém o Ministério dos Direitos Humanos interferiu no funcionamento do órgão, que deveria ser autônomo. Apesar do esforço para criar o Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, sua implementação não foi concretizada. São consideradas não cumpridas todas as 12 recomendações sobre o tema, pontuando que apesar da existência longeva do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, “defensoras/es sofrem com o mesmo descaso e falta de vontade política do Estado brasileiro e dos Estados Federados em construir e efetivar uma política pública que possibilite o exercício pleno da cidadania” (COLETIVO RPU BRASIL, 2019, p. 11).

Duas recomendações foram parcialmente implementadas em prol da migração, ambas pedindo a criação de legislação relativa à entrada e permanência de estrangeiros no país, que foi promovida pela Lei 13.445/2017. Porém, o Governo Federal emite sucessivos ataques à Lei da Migração. Assim, o relatório considerou as recomendações como não cumpridas (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

Das 14 recomendações que tratavam sobre a discriminação e violência contra mulheres, nenhuma foi cumprida, com exceção de uma, que requisitava a punição de indivíduos envolvidos em delitos relacionados a mulheres e crimes sexuais em geral, que pode ser considerada como parcialmente cumprida. O aumento nos índices de violência e atos criminosos contra mulheres demonstra a tendência de retrocesso na matéria, em uníssono com os desinvestimentos e às alterações na legislação voltada para a proteção (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

Das sete recomendações direcionadas para a população LGBTQIA+, cinco foram parcialmente cumpridas. Destaca-se a falta de articulação entre os progressos conquistados no âmbito jurídico, que ofereceram avanços significativos como o direito ao uso de nome social, o reconhecimento da união homoafetiva e a criminalização da homofobia e os sucessivos posicionamentos preconceituosos emitidos por Jair Bolsonaro que colocam em risco direitos recém conquistados (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

O racismo no Brasil, alvo de cinco recomendações não cumpridas, continua sendo uma questão problemática, fomentada pelo presidente Bolsonaro. Indivíduos negros são os que mais morrem no Brasil e que mais se encontram reclusos. Os casos de racismo não são devidamente julgados e é nítida a perseguição cultural e religiosa a religiões de matrizes africanas (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

As medidas de proteção para os povos indígenas somaram-se em 31 recomendações, nenhuma delas cumpridas. Dentre as questões abordadas,  destacam-se “medidas de prevenção e punição do racismo, discriminação e violência contra os povos indígenas e aumentar a conscientização sobre igualdade étnica e racial” (COLETIVO RPU BRASIL, 2019, p. 27).

Sobre a situação das pessoas privadas de liberdade, foram constatados o aumento da população carcerária e a piora das condições dos indivíduos reclusos, principalmente mulheres, que possuem direitos básicos reincidentemente violados. No total, foram emitidas 20 recomendações em prol da melhoria do sistema prisional: 17 não foram adereçadas e três foram parcialmente cumpridas (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

Acerca da prevenção da tortura, o Brasil implementou o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, porém houveram intromissões governamentais em seus mecanismos. De acordo com o Coletivo RPU, o Brasil foi o único país onde se constatou retrocessos nas medidas políticas de extinção da tortura. Das oito recomendações emitidas sobre o tema, três foram parcialmente cumpridas (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

Não houve registro de melhora dos índices de violência proferida pelas polícias. O conservadorismo atingiu o Governo Federal e população brasileira com ideais que ferem direitos fundamentais e acobertam atos de violência das polícias brasileiras, principalmente os direcionados às minorias raciais. Quanto às políticas de segurança pública, não foram constatadas melhorias estruturais e a temática carece de políticas públicas de abrangência nacional. Das 12 recomendações emitidas, duas haviam sido parcialmente cumpridas (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

Nas relações trabalhistas, o Brasil conseguiu aderir a uma recomendação, que requisitava a aderência à convenção da OIT que concede direitos aos trabalhadores domésticos. Porém, falhou na implementação das oito recomendações restantes sobre o tema. Mais uma vez, o Estado brasileiro se destaca no mecanismo pela falta de compromisso com a proteção dos direitos dos trabalhadores, no número de crianças e adolescentes submetidos a atividades laborais e nos retrocessos infligidos pela reforma trabalhista aprovada em 2017 que permitiu alterações na CLT (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

Na temática da saúde, de 12 recomendações é possível observar o cumprimento parcial de apenas três, que requisitavam o fomento da inclusão nos âmbitos da saúde e educação, a ampliação dos atendimentos em saúde no país e a manutenção dos termos de interrupção da gestação. No entanto, a promoção da saúde gestacional tem sido um problema no país. A violência obstétrica e a negligência direcionada principalmente às mulheres negras são questões ainda reincidentes, que aliadas com o aumento dos índices de pobreza, culminaram na elevação da mortalidade materna. A diminuição dos investimentos na área e tentativas governamentais de restringir direitos concedidos demarcam os principais retrocessos na área (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

Para o âmbito da educação, foram emitidas o total de 15 recomendações, sendo que apenas duas foram cumpridas de forma parcial, referentes ao emprego de medidas de mitigação do índice de desemprego por meio da disponibilização de formação educacional e acerca da implementação do projeto Educação em Direitos Humanos. Porém, o atual governo desmembrou e extinguiu o programa que havia sido incluído na base curricular educacional brasileira. A inclusão, a disponibilização universal da educação e as melhorias no ensino, de forma estrutural, não estão sendo amplamente garantidas. O país por conta dos cortes de gastos e pelo panorama instável na política e economia, não estava a par dos parâmetros internacionais esperados para a educação (COLETIVO RPU BRASIL, 2019). Vigoravam no Estado brasileiro contundentes e amplos retrocessos no âmbito dos direitos humanos, com um número inexpressivo de recomendações cumpridas no terceiro ciclo e sem perspectivas de adequação às recomendações emitidas a Revisão Periódica Universal. A partir da aprovação da emenda parlamentar que instituiu o corte de gastos no ano de 2016, é possível observar uma redução no número de programas e projetos de inclusão voltados para a proteção das minorias no país, o que impactou profundamente na promoção da proteção no âmbito interno (COLETIVO RPU BRASIL, 2019).

CONCLUSÃO

A existência e o pleno funcionamento da Revisão Periódica Universal representa um esforço significativo no fomento e no respeito à proteção dos direitos humanos no âmbito internacional. Ao longo do seu funcionamento, o mecanismo foi capaz de angariar a participação dos Estados membros da ONU de forma satisfatória. Porém, no terceiro ciclo, o número de recomendações emitidas ao Brasil aumentou substancialmente em relação aos ciclos anteriores, o que justifica o foco concedido ao período. Entretanto, não é possível concluir que a RPU foi capaz de frear ou dirimir as violações aos direitos humanos no âmbito do Estado brasileiro, principalmente no período compreendido entre 2017 e 2022, foco da presente análise.

Não coincidentemente, a partir da eleição de Jair Bolsonaro em 2019, cujo governo promoveu o desmonte e a precarização das políticas públicas sociais, a proteção dos direitos fundamentais no âmbito brasileiro foi afligida por grandes retrocessos. No terceiro ciclo, completado em 2022, é onde podemos observar os maiores desmontes e ataques aos direitos fundamentais dos brasileiros, demonstrados em todos os temas abordados pelas recomendações. De acordo com relatório do Coletivo RPU Brasil (2019), das 242 recomendações aceitas para serem implementadas pelo Estado brasileiro, apenas uma foi cumprida em sua totalidade e 23 foram parcialmente implementadas. Os sucessivos ataques provenientes do Governo Federal fomentavam uma situação de retrocesso progressivo na matéria.

Porém, para além do ciclo observado, é preciso ressaltar que temáticas como a segurança pública, o fornecimento de direitos básicos como saúde e educação e a perseguição às minorias nunca foram completamente adereçadas e solucionadas ao longo dos ciclos, o que demonstra uma baixa aderência das ações governamentais em prol da proteção no longo prazo, principalmente nas questões que se mostram estruturalmente complexas.

REFERÊNCIAS

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Eduarda Lopes de Souza é mestranda no Programa de Pós Graduação do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio). Bacharel em Defesa e Gestão Estratégica Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro do Laboratório de Estudos de Segurança e Defesa (LESD/UFRJ).

Como citar:
SOUZA, Eduarda Lopes de. O Brasil no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas: análise do desempenho no terceiro ciclo da Revisão Periódica Universal. Diálogos Internacionais, vol. 10, n. 97, Mar. 2023. Disponível em: https://dialogosinternacionais.com.br/?p=2906

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