O Brexit na perspectiva da integração e da desintegração

Volume 11 | Número 106 | Mar. 2024

Filipe Philipps de Castilho

Amanda Franco Grillo Zakir Jorge

1.INTRODUÇÃO

O Reino Unido começou a fazer parte do bloco regional europeu em 1973, após anos de recusa e de tratativas infundadas. Adentrar a comunidade europeia não significou um pertencimento de fato, visto o caráter idiossincrático e particular da integração britânica desde o início, de tom diferenciado. Ainda em 1975, insatisfeitos com os resultados econômicos obtidos pela integração, os britânicos realizam um primeiro referendo de permanência ou saída, mostrando desde o princípio uma desconfiança que seria a tônica de todo o relacionamento entre o país e o bloco europeu. Se naquela altura o resultado foi favorável à permanência, em 2016 a conjuntura política haveria de se coadunar com os anos de euroceticismo imiscuídos no imaginário popular, fazendo com que o segundo referendo tivesse outro resultado. O presente artigo pretende adentrar nas razões que levaram ao resultado final do referendo de 2016, analisando os antecedentes da relação entre Reino Unido e União Europeia e fazendo uma leitura do processo de integração diferenciado exercido pelos britânicos, bem como do processo de desintegração resultante da saída.

2. A INTEGRAÇÃO EUROPEIA (E A DESINTEGRAÇÃO)

Ao longo de décadas, grande parte dos estudos europeus focou nas razões que ensejam a cooperação nos processos de integração regional. A construção de uma comunidade do tipo é descrita pensando basicamente em seus momentos de maior ou menor integração, mas dificilmente uma eventual desintegração é aventada ou estudada (SZUCKO, 2020).  A política externa de integração regional é considerada como uma maneira de criar instituições multilaterais com o objetivo de estabelecer normas, criando assim estruturas no seio das quais acordos intergovernamentais podem ser concretizados (KEOHANE, 1989). Essas instituições multilaterais buscam promover cooperações entre os governos, com o intuito de aumentar a capacidade individual de cada um, fortalecendo os laços para o enfrentamento dos novos conjuntos de problemas emergentes do cenário internacional (OLIVEIRA, 2002). Já a desintegração acontece quando um ou mais estados decidem se retirar do coletivo. Há uma série de razões pelas quais a desintegração é indesejável, pois a mesma afeta tanto o Estado que está de saída quanto os membros restantes, dadas as barreiras comerciais, por exemplo, perturbando toda uma cadeia de abastecimento internacional (KRISTENSEN, 2019). De acordo com Heraclides (1994) a desintegração resultará em maiores custos de transação, distorções econômicas e em riscos financeiros, que surgem com os agentes econômicos se ajustando ao novo ambiente desintegrado (HERACLIDES, 1994).

Nesse ponto, podemos pensar no bloco europeu. A União Europeia enfrenta instabilidades desde 2008, particularmente na zona do euro e no aumento no fluxo de imigrantes; aliado à isso, temos a expansão de movimentos nacionalistas e eurocéticos na região, tanto no âmbito doméstico dos Estados-Membros como no próprio Parlamento Europeu (SZUCKO, 2020). Portanto, enquanto a integração significa um processo de cooperação profunda por meio de regras e instituições comuns, a desintegração refere-se ao retrocesso em relação a um grau de integração anteriormente alcançado. Ou seja: a integração refere-se a um aumento no nível de centralização, no escopo da política e na participação no bloco regional, com a desintegração sendo a redução desses fatores (LEUFFEN, RITTBERGER, SCHIMMELFENNIG, 2013). No âmbito da União Europeia, o Reino Unido foi o primeiro país a sair. Podemos entender essa saída analisando o histórico do processo da relação entre britânicos e Europa integrada, aliado à conjuntura da época do referendo.

2.1 A INTEGRAÇÃO E OS BRITÂNICOS

A integração europeia se dá após a Segunda Guerra Mundial. O continente, ainda sob as marcas do conflito, busca meios de evitar novos conflitos e de impulsionar a econômica desgastada nos anos anteriores. Em 1950, por meio da Declaração de Schuman, estabelece-se o marco inicial da integração, cristalizado em 1951, por meio do Tratado de Paris, com a criação da Comunidade Europeia de Carvão e Aço (CECA) o primeiro estágio de integração de fato, com o objetivo de unir os mercados de carvão e aço de seus primeiros estados membros. O Reino Unido incentiva a integração, mas se abstém, visto que haviam acabado de estatizar suas indústrias de base (SCHUTTE, 2017). Aliado a isto, a herança dos tempos de império soberano ainda ressoava na opinião pública e na classe política britânica. A integração, sem os britânicos, se solidifica de maneira pungente. Em 1948, para alocar os fundos do Plano Marshall, é criada a Organização para Cooperação Econômica Europeia (OCEE), o estágio mais delineado do bloco até então (COSTA, 2017). O Reino Unido, por sua vez, também opta por não participar.

Em 1961, com a piora das condições de comércio tanto com a Commonwealth como com os Estados Unidos, seu grande parceiro nos anos pós-guerra, os britânicos finalmente iniciam tratativas para sua adesão ao bloco. Seu ingresso seria vetado pelo presidente da França (e homem forte da OCEE), Charles de Gaulle. Somente após a saída do presidente francês em 1969 as negociações seriam retomadas, para que em 1º de janeiro de 1973 os britânicos finalmente finalizassem sua entrada, com algumas particularidades no acordo (SZUCKO, 2018). Tais percalços demonstram e corroboram não apenas a integração em tom diferenciado dos britânicos, mas também a caminhada sempre errante e marcada por impasses do Reino Unido dentro das relações com a integração europeia. Os britânicos sempre fizeram questão de deixar clara sua intenção de evitar a construção de um grande bloco europeu unitário; além disso, a memória da centralidade e importância mundial do Reino Unido entre os séculos XVIII e XIX, do vasto e poderoso império britânico e da expansão colonialista nos séculos anteriores sempre exerceu grande influência na visão das elites políticas britânicas acerca da posição do país dentro da Europa (PERISIC, 2010).

Os ganhos econômicos advindos da entrada não seriam os esperados, o que resultaria em 1975 em um primeiro referendo por parte dos britânicos, acerca da continuidade ou não no bloco. Tal referendo seria solicitado pelo Primeiro Ministro britânico Harold Wilson, do Partido Trabalhista. 67% da população britânica votaria pela permanência (SCOFIELD, 2018), ocasionando uma mudança de tom no posicionamento dos trabalhistas em relação à integração supranacional, que assumiria ao longo dos anos um tom mais conciliatório para com o bloco (PERISIC, 2010). Mas a desconfiança da opinião pública permaneceria, principalmente no Partido Conservador pós-Margaret Thatcher. Se Thatcher havia defendido a adesão ao bloco nos primeiros momentos, sua postura mudaria radicalmente como primeira-ministra. O estreitamento cada vez maior do projeto de integração desagradaria profundamente os conservadores, e a figura de Thatcher tornar-se-ia basilar para a solidificação do euroceticismo britânico. Seu discurso em Bruges em 1988 seria simbólico para a postura de grande parte dos partidários da desintegração, desejosos de uma saída britânica (WESTLAKE, 2017). Ao longo do referendo, não seriam todos os conservadores que seriam favoráveis ao Brexit; no entanto, os partidários (barulhentos) da saída seriam frutos do pontapé iniciado por Thatcher nos anos 80 (BULLER, 2000).

Em fevereiro de 1992, o Tratado de Maastricht estabeleceria o que hoje conhecemos como União Europeia, em uma evolução do processo das décadas passadas, contando agora com cooperação intergovernamental em política externa e de segurança, de justiça e assuntos domésticos, além da adoção da moeda única, o Euro, lançado em 1999 e implementado em 2002 (CAMARGO, 2018). Essa, talvez uma das mudanças mais importantes, não contou com a adesão dos britânicos mais uma vez, que continuariam a utilizar a Libra. O Espaço Schengen, baseado na livre circulação de pessoas, também não foi adotado pelo Reino Unido.

Segundo Costa (2018) nesse período vemos uma renovação dos debates dentro das grandes teorias sobre a integração europeia, que veem o período pós-Maastricht de maneira peculiar, ao enxergarem o nascimento de uma politização acerca da integração. O contexto pós-Maastricht seria caracterizado como um período de dissenso restritivo, pois os governos nacionais estariam sem saber o que fazer acerca da solução de algumas questões europeias, visto que agora precisariam considerar mais a opinião pública eurocética (COSTA, 2018).

Entedemos, portanto, que o padrão de auto-organização do relacionamento entre o Reino Unido e o bloco europeu foi marcado pela integração diferenciada. Essa diferenciação seria responsável por harmonizar o caráter particular da relação mediante trocas que resultaram na concessão de revogações aos britânicos em diversos momentos-chave do processo de integração do bloco europeu (SZUCKO, 2020). O fato de o Reino Unido optar por não participar do Sistema Monetário Europeu, por exemplo, e não ter feito parte do Espaço Schengen, pode ser considerado um dos primeiros exemplos da integração diferenciada (BRUNAZZO, 2019) Os maiores exemplos da integração diferenciada do Reino Unido seriam as aquisições de derrogações específicas (opt-outs) nas tratativas do bloco a partir da década de 1990. Já acerca do Tratado de Maastricht, os britânicos obtiveram a derrogação em relação à terceira fase da União Econômica e Monetária, bem como sobre o capítulo social, assinado, posteriormente, no mandato de Tony Blair. Na sequência, no Tratado de Amsterdã, o Reino Unido garantiu derrogações em relação ao Espaço Schengen e à Área de Liberdade, de Segurança e de Justiça (SZUCKO, 2020).

3. O BREXIT E A DESINTEGRAÇÃO

Em 2013, o Primeiro-Ministro David Cameron declarou que o povo britânico deveria “se pronunciar” na Europa, ao prometer um referendo de entrada/saída caso os conservadores vencessem a eleição. O primeiro-ministro deixaria clara a intenção de renegociar o relacionamento e permanência do Reino Unido com a UE para depois dar aos britânicos a escolha entre permanecer ou sair da UE. A notícia seria bem recebida pelos eurocéticos. [1]

David Cameron exigiria uma série de demandas visando um fortalecimento da soberania britânica perante o bloco, como o Reino Unido impondo limites nos benefícios sociais obtidos pelos imigrantes, maiores poderes ao Parlamento britânico (para que ele pudesse ter a prerrogativa de impedir a internalização de qualquer legislação comunitária), e que a União Europeia não tivesse uma política negativa para com os Estados Membros que não adotassem o Euro (KRISTENSEN, 2019). As negociações de fevereiro de 2016 foram uma tentativa de acomodar as demandas britânicas dentro do quadro institucional do bloco europeu, reforçando a ideia de integração diferenciada interna, com o objetivo de impedir uma demanda, por parte do Reino Unido, de uma desintegração diferenciada externa (SZUCKO, 2020).

Mesmo com as negociações (e com Cameron defendendo a permanência), em 23 de junho de 2016 seria realizado o referendo, contando com uma participação de 71,8% (30 milhões de pessoas) de eleitores, trazendo como resultado a confirmação de que a maioria dos cidadãos do Reino Unido de fato optava por abandonar a União Europeia. O Brexit recebeu 51,9% dos votos, enquanto 48,1% votaram pela permanência no bloco. Inglaterra e Gales apoiaram majoritariamente a saída, enquanto Londres, na Inglaterra, e os países da Escócia e da Irlanda do Norte optaram pela permanência. Por conta do resultado e da crise iniciada no país, como uma queda vertiginosa da Libra Esterlina imediatamente após o resultado, o primeiro-ministro David Cameron anunciaria a renúncia do cargo (GUIMON, 2016).

O referendo revelaria uma profunda divisão de interesses nas diferentes regiões do Reino Unido. Além de a Escócia votar majoritariamente pela permanência, junto com a Irlanda do Norte e a região de Londres, outros fatores correlacionariam os votos, com destaque para o grau de escolaridade e a faixa etária.

Pessoas com mais de 65 anos tiveram duas vezes mais chances de votar pela saída da União Europeia do que as pessoas com menos de 25 anos, mostrando uma tendência dos votos favoráveis à saída dentro de faixas etárias mais elevadas. 70% dos eleitores cuja escolaridade com ensino básico ou menos votaram pela saída, enquanto 68% dos eleitores com um diploma universitário votaram para permanecer na UE, mostrando uma tendência de aversão à saída nas faixas com maior escolaridade.  Os menores de 25 anos tinham duas vezes mais chances de votar em permanecer (71%) do que em deixar (29%). Entre os maiores de 65 anos, o quadro é quase exatamente o oposto, já que 64% dos maiores de 65 anos votaram por sair da União Europeia, enquanto apenas 36% votaram por permanecer. Entre as outras faixas etárias, os eleitores de 24 a 49 anos optaram por permanecer (54%) contra deixar (46%) o bloco europeu, enquanto 60% dos eleitores entre 50 e 64 anos optaram pela saída (YOUGOV, 2016). Esse cenário mostra uma clara dicotomia geracional: os mais jovens optando pela União Europeia, e os mais velhos optando pela saída. Fora da Inglaterra, o resultado do Brexit apresentou cenários díspares em diferentes regiões. Na Escócia, 62% dos eleitores votaram pela permanência e apenas 38% pela saída, o que acabaria por dar ensejo ao ímpeto pela independência entre muitos escoceses. A Escócia acabara de passar por um plebiscito em 2014 que acabaria decidindo a permanência no Reino Unido, com um dos argumentos principais da campanha contra a independência sendo o acesso à União Europeia via Reino Unido. A Irlanda do Norte também votou pela permanência (55% contra 44%), enquanto Gales votou pela saída (52,5% contra 47,5%) (YOUGOV, 2016). De acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas, áreas com menor concentração de imigrantes tiveram uma tendência pelo voto favorável a deixar a União Europeia. Ao isolar o quartil das áreas com maior crescimento da proporção de imigrantes entre 2010 e 2014, nota-se uma predominância do voto por deixar: 76,3% das áreas do quartil opinaram a favor da saída, assim como o quartil das áreas com maior desemprego, no qual 67,6% delas votaram pelo Brexit. Os dados indicariam que a presença recente de imigrantes, conjuntamente com o baixo dinamismo do mercado de trabalho, pode ter contribuído para a posição favorável à saída da UE.  [2]

O contraste entre Londres e a maior parte da Inglaterra foi considerável, visto que na capital 60% votaram pela permanência e 40% pela saída. Essa diferença se explicaria em parte pela forte economia da cidade e pela maior presença de estrangeiros. Londres e as outras grandes cidades (como Liverpool e Manchester) tenderiam a aceitar e a valorizar mais a globalização e a diversidade, estando mais acostumados a seus efeitos, positivos ou negativos.

Em julho de 2016, após a renúncia de David Cameron, a também conservadora Theresa May assume o cargo de Primeiro-Ministra, A partir de então, diversos imbróglios desenrolariam um processo extremamente conturbado e denso para os britânicos. Theresa May aciona o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, mecanismo para a saída do bloco europeu, em 29 de março de 2017, iniciando as tormentosas negociações acerca da saída. O Reino Unido manteve o tônus de integração diferenciada interna até acionar o artigo 50°. Após essa data, iniciou-se um período de desintegração diferenciada de interna para externa, durante o qual o país negociou os termos de saída do bloco europeu em um processo de secessão, em oposição à acessão – que ocorre em um contexto de encolhimento da integração (SZUCKO, 2020).

Em 24 de maio de 2019, após diversas atribulações nas negociações, Theresa May renuncia ao cargo, ao se ver incapaz de conduzir o Reino Unido para fora da União Europeia. Seu sucessor seria o também conservador Boris Johnson, defensor de um Hard Brexit (uma saída sem adiamentos ou novas conversações) e notório por uma fala algo populista e caricata. Johnson dizia acreditar ser possível alcançar um entendimento sem o envolvimento de controles alfandegários na fronteira irlandesa, visto que a do Norte é parte do Reino Unido, e a República ao sul, separada, seria país-membro da UE. Essa questão seria fundamental ao longo de todas as tratativas (ROBERTS, 2020).

Mesmo com diversos percalços, como o acionamento de um mecanismo para encerrar o período de sessões do Parlamento, visando tirar o tempo para os grupos de oposição conseguirem bloquear via parlamento a possibilidade de saída do Reino Unido da União Europeia sem acordo (CUSHION, 2020) além da convocação de novas eleições (e conseguindo uma vitória expressiva contra a oposição[3]), em 31 de janeiro de 2020  o país oficialmente abandona sua participação na União Europeia, com Boris Johnson declarando ser um “começo de uma nova era” para o país e prometendo uma “verdadeira renovação nacional” depois de 47 anos como membros do bloco europeu. [4]

Mesmo assim, o país permaneceu em um período de transição até 31 de dezembro de 2020, durante o qual ainda esteve esteve submetido à legislação comunitária, mesmo sem ser um Estado-Membro efetivo com poder de voz e voto dentro do bloco. Esse período de transição simboliza a fase de desintegração diferenciada de interna para externa, dado que o país continuou vinculado às normas da União Europeia. Esse movimento contrapõe-se a ao paralelo de integração diferenciada de externa para interna, na qual os países candidatos passam a incorporar parte da legislação comunitária sem ainda integrarem de fato o bloco como países-membros (SZUCKO, 2020).

A confirmação do processo não encerrou os traumas e problemas. O aumento de movimentos separatistas vindos de Escócia e Irlanda do Norte, que votaram contra o Brexit, tornou-se expressivo. Um pedido do Reino Unido para suspender temporariamente a implementação das disposições aduaneiras específicas acordadas para a Irlanda do Norte após a saída foi negada pela União Europeia em julho de 2021[5]. As dicotomias sociais e culturais aprofundaram uma grande divisão dentro do país, visto nas antinomias de opinião e nos votos, com os mais jovens optando pela Europa, e os mais velhos rejeitando-a. Outro imbróglio de proporções pungentes seria visto com a chegada da crise sanitária da Covid-19; com todo o continente afetado pela pandemia, os impactos seriam fortemente sentidos no país (DRINOT, 2021). Além, disso, a saída do Reino Unido deu origem à categoria de ex-Estado-Membro. Com sua retirada, o governo britânico passou a não ter mais uma representação formal nas instituições do bloco comunitário, que também precisaram ser adaptadas ao novo cenário de integração regional (SZUCKO, 2020).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O papel sempre idiossincrático do Reino Unido dentro da integração europeia é de grande importância para entendermos como a saída definitiva se deu. Desde a gênese da integração, os britânicos optaram por se manter à parte, seja não participando do Plano Schumann em 1950, ou mesmo não participando da criação do Tratado de Paris e da Comunidade Europeia de Carvão e Aço. Quando adentraram, o fizeram de maneira particular e própria, em seus próprios termos, como na Comunidade Econômica Europeia em 1973 e posteriormente nas tratativas com a União Europeia. O papel histórico do Reino Unido na geopolítica mundial é elucidativo para entendermos essa integração diferenciada, pois o caráter de protagonista global que o antigo Império Britânico exerceu ao longo de séculos deixou como legado uma noção de soberania e particularidade política exacerbada nas instituições britânicas e no imaginário popular, que acabou se refletindo nas negociações com o bloco europeu.

Tudo isso, aliado à conjuntura do referendo de 2016, através do crescimento de pautas eurocéticas alinhados à questões versando sobre imigração, xenofobia, controle de fronteiras e insatisfação para com a economia, fez com que o processo de desintegração se açodasse de maneira pungente. Entendemos, portanto, que o Brexit representou um périplo entre uma integração diferenciada para uma desintegração de fato, que se iniciou com as primeiras tratativas de fevereiro de 2016, mas que se consolidou apenas com o resultado do referendo e com a saída definitiva. Se para o Reino Unido o Brexit significou desintegração, para a União Europeia (e para todos os outros blocos regionais, como o Mercosul) o processo ensejou debates e reflexões acerca dos rumos e dos relacionamentos supracionais.

REFERÊNCIAS

BBC BRASIL. Crescimento de eurocéticos é ‘terremoto político’, diz primeiro-ministro francês. 26 de maio de 2014. Disponível em < https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/05/140526_eleicoes_ue_ms >. Acesso em 11 de abril de 2021.

BBC. David Cameron promises in/out referendum on EU. 23 de janeiro de 2013. Disponível em < https://www.bbc.com/news/uk-politics-21148282 >. Acesso em 12 de maio de 2021.

BRUNAZZO, Marco. The Evolution of EU Differentiated Integration between Crises and Dilemmas. EU IDEA Research Papers, no. 1, 2019.

BULLER, J. Understanding contemporary conservative Euro-scepticism: statecraft and the problem of governing autonomy. Polit Q 71(3):319–327, 2000.

CAMARGO, S. de. A União Europeia: uma comunidade em construção. Contexto Internacional, 30(2), 467–52, 2008.

COSTA, Olivier. A União Européia e a sua política exterior. Brasília, FUNAG, 2017.

CUSHION, S. Neoliberalism and trade unions in Britain. Tempo soc. Jan;32(1):11–28, 2020.

FGV. Proporção de Imigrantes no território influenciou voto pelo Brexit. 2016. Disponível em: https://repositorio.fgv.br/items/dd826626-b0c3-4c72-898a-aad999322d5d.

HERACLIDES, A. From autonomy to secession: Building down. In Groom, A. e Taylor, P. (ed.). Frameworks for International Co-operation. London, Pinter Publishers, pp. 185-197, 1994.

KEOHANE, Robert O. “Neoliberal institutionalism: a perspective on world politics”. International Institutions and State Power, Westview Press, 1989.

KRISTENSEN, Michelle. Understanding the Choice of Brexit A case of Disintegration. , Master Thesis, Development & International Relations, Aalborg University, 2019.

LEUFFEN, Dirk; RITTBERGER, Berthold; SCHIMMELFENNIG, Frank. Differentiated Integration: Explaining Variation in the European Union. New York: Palgrave Macmillan, 2013.

OLIVEIRA, Marcelo Fernandes. Teorias Contemporâneas sobre as Relações Internacionais. Estudos de Sociologia, 2002.

PERISIC, Bojana. Britain and Europe: a history of difficult relations. Institute for Cultural Diplomacy, Berlin, March 2010.

ROBERTS, S. Fireworks, flags and signs: voices from the streets of post-brexit. Trabalhos Em Linguística Aplicada, 59(1), 491–506, 2020.

SCHUTTE, Giorgio Romano. Brexit na perspectiva do Path Dependency, Plural – Revista de Ciências Sociais, vol. 24, núm. 2 , Junho-Dezembro, pp. 114-134, 2017.

SCOFIELD, Ana Clara Balda. As especificidades da relação entre o Reino Unido e a União Europeia: desde a adesão ao bloco às suas futuras relações após o Brexit. FGV, Rio de Janeiro, 2018.

SZUCKO, A. S. A ilha e o continente: Brexit e o relacionamento entre o Reino Unido e a União Europeia no processo de integração regional. Tese de doutorado. Brasília. Universidade de Brasília, Instituto de Relações Internacionais, 2020.

SZUCKO, A. S. Percepções Identitárias no Reino Unido: Antes e depois do referendo Britânico. Carta Internacional, v. 13, n. 1, 16 maio 2018.

WESTLAKE, M (2017) The inevitability of gradualness: the longer-term origins of the 23 June 2016 ‘Brexit’ referendum. Bruges Political Research Papers 5, 2017.

YOUGOV. How Britain voted at the EU referendum. 27 de junho de 2016. Disponível em: https://yougov.co.uk/topics/politics/articles-reports/2016/06/27/how-britain-voted.


[1] [1] https://www.bbc.com/news/uk-politics-21148282

[2] http://dapp.fgv.br/proporcao-de-imigrantes-no-territorio-influenciou-voto-pelo-brexit/

[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2019/12/13/internacional/1576215795_050013.html

[4] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51335145

[5] https://istoe.com.br/ue-rejeita-pedido-do-reino-unido-de-novo-acordo-pos-brexit-para-a-irlanda-do-norte/

Filipe Philipps de Castilho é doutorando e mestre do programa de pós-graduação em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná. Bacharel em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná. Integrante do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NEPRI) da UFPR

Amanda Franco Grillo Zakir Jorge é mestranda do programa de pós-graduação em Políticas Públicas e em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353