Resenha: A diplomacia soberana do Brasil na era João Goulart

Volume 11 | Número 114 | Dez. 2024

Fabricio Teobaldo Santos

Fernando Rodrigo Trajano da Silva

DANTAS, San Tiago. Política externa independente. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011.

A obra “Política Externa Independente” do Chanceler San Tiago Dantas faz uma análise detalhada da política externa independente que o Brasil implementou durante o regime de João Goulart, tendo ele próprio como chefe do ministério das Relações Exteriores. Este foi um grande afastamento da convenção diplomática do passado, uma vez que procurava estabelecer uma posição de autodeterminação e autossuficiência nas relações internacionais.

O Brasil, na Guerra Fria, distanciou-se do domínio global das superpotências e abraçou seu próprio caminho no mundo. Era um estado soberano e independente, e procurou não se alinhar com nenhum dos “preconceitos” da época. Os esforços diplomáticos para fortalecer a posição da nação como mediadora da paz e promotora do crescimento internacional visavam defender os seus interesses de forma autônoma e autogovernada. Sob o comando de João Goulart, não apenas seguiu uma política externa pragmática e equilibrada, mas também contribuiu ativamente para o desenvolvimento global e a paz. Um país que esteve comprometido com as organizações internacionais e as discussões multilaterais, promoveu reformas, debateu temas como desarmamento e direitos humanos, e estabeleceu relações positivas com países de diferentes contextos políticos e econômicos.

A política externa do Brasil sob a liderança de Goulart e Dantas procurou redefinir o papel do país no mundo, promovendo uma diplomacia que priorizava os interesses nacionais de forma autônoma. Essa abordagem permitiu ao Brasil atuar como um mediador em conflitos internacionais e contribuir para a estabilidade e paz mundial. A ênfase estava em desenvolver uma política externa pragmática que equilibrasse a necessidade de segurança e desenvolvimento com a promoção de valores universais como a paz, o desarmamento e os direitos humanos.

Além de fortalecer a posição do Brasil nas negociações internacionais, a política externa independente buscou diversificar as parcerias econômicas e políticas do país. Este esforço incluía a promoção de relações diplomáticas e comerciais com uma vasta gama de países, desde nações emergentes até potências estabelecidas, sem se restringir às alianças tradicionais. Este movimento estratégico permitiu ao Brasil ganhar maior influência e respeito no cenário internacional, ao mesmo tempo em que defendia seus interesses de maneira soberana.

San Tiago Dantas, com sua habilidade diplomática e visão estratégica, foi fundamental na implementação dessa nova orientação. Sua liderança no Ministério das Relações Exteriores foi marcada pela defesa de uma diplomacia que refletia os valores de autonomia, justiça e cooperação internacional. Sob sua direção, o Brasil foi ativo em diversas frentes, promovendo reformas globais e engajando-se em discussões multilaterais que abrangiam desde questões de desenvolvimento econômico até a defesa dos direitos humanos.

A obra de Dantas é essencial para compreender o impacto e a importância dessa fase da política externa brasileira. Ela destaca como a independência diplomática não apenas reafirmou a soberania nacional, mas também elevou o Brasil a uma posição de maior relevância e respeito no cenário internacional. Ao se distanciar das influências dominantes da época e buscar um caminho próprio, o Brasil conseguiu contribuir significativamente para a paz e o desenvolvimento global, tornando-se um exemplo de autodeterminação e cooperação multilateral.

O programa da PEI foi criado para estabelecer uma perspectiva distinta e autônoma sobre os assuntos globais, dada a natureza polarizadora da Guerra Fria entre as grandes potências. O governo pretendia salvaguardar os seus interesses nacionais de forma autônoma, rejeitando alianças automáticas e adotando uma abordagem prática e imparcial nas suas interações bilaterais e multilaterais. A defesa da paz e do desenvolvimento internacional foi um foco fundamental desta política. O Brasil pretendia promover a estabilidade global e o crescimento econômico através do seu envolvimento em organizações e conferências internacionais. Uma forte ênfase no combate ao colonialismo na África e na Ásia, apoiando os esforços de descolonização e defendendo o direito dos indivíduos de escolherem o seu próprio caminho.

A política externa independente estimulou a cooperação e a solidariedade na região latino-americana. João Goulart visitou a Argentina para estreitar laços com um parceiro considerado estratégico, e isso funcionou para ele. Durante a visita, foram proferidas palestras sobre os temas da integração sul-americana e da cooperação bilateral, em linha com os princípios de não intervenção nos assuntos internos e no desenvolvimento regional. O país também queria ser uma grande influência na ONU, defendendo reformas e participando de discussões internacionais sobre desarmamento e direitos humanos.

O Brasil poderia assumir o comando dos esforços diplomáticos na América do Sul, sendo que a viagem de João Goulart à Argentina teve um enorme impacto na comunidade internacional. A visita não foi apenas uma questão política, mas também ajudou a fortalecer a economia e a promover a aproximação visando a integração entre as nações latino-americanas. Um país que se colocava como um ator importante tanto na arena regional como global e reafirmava a sua liderança moral e prática na prossecução de uma política externa independente e que dava prioridade à cooperação regional.

As relações soviético-brasileiras já haviam sido rompidas antes, refletindo as tensões ideológicas e geopolíticas da época. No entanto, a retomada destas relações representou uma mudança estratégica significativa. O Brasil, impulsionado por fatores econômicos, políticos e estratégicos, equilibrou seu comércio internacional com a busca de novos parceiros comerciais. Durante o restabelecimento das relações, foram elaborados tratados bilaterais sobre questões como comércio, cultura, educação e ciência. Estes acordos também facilitaram intercâmbios e colaborações em áreas de interesse mútuo e reforçaram as ligações bilaterais. As relações diplomáticas entre o Brasil e a União Soviética foram normalizadas, e isso teve efeitos tanto no plano interno como no internacional. O Brasil era visto como uma forma de expandir seus laços internacionais e solidificar sua posição como uma potência global autônoma. Ajudou a aliviar as tensões durante a Guerra Fria no cenário internacional, destacando o potencial de cooperação entre países de diferentes grupos ideológicos.

O restabelecimento das relações do Brasil com a União Soviética promoveu vantagens em questões diplomáticas em torno do que consideravam ser os interesses nacionais estratégicos e solidificou a sua posição como um ator-chave no esforço da Guerra Fria. O Brasil foi, nesse sentido, um dos principais defensores do princípio da autonomia do Estado, da não interferência nos assuntos nacionais e da cooperação econômica baseada em interesses recíprocos.

A PEI também foi ativa na concretização da declaração de Punta Del Este, que estabeleceu princípios para a cooperação hemisférica e enfatizou a importância da democracia e dos direitos humanos na região. Nesta declaração, foram consubstanciados os princípios da política externa independente, que priorizou a consolidação da soberania nacional e a promoção da estabilidade política através do desenvolvimento econômico e social.

O Brasil participou ativamente das discussões na Assembleia-Geral da ONU e em outras conferências internacionais, e endossou resoluções que visavam promover um processo de descolonização pacífico em Angola. Estas resoluções não só afirmaram a reputação do país como um defensor global dos direitos humanos e da justiça, mas também demonstraram a sua capacidade de integrar os princípios da política externa independente nos assuntos internos. . Durante sua presidência, João Goulart enfatizou, nas negociações da ONU, o aprofundamento das temáticas da autodeterminação e a descolonização. O Brasil foi um firme defensor do direito do povo angolano de determinar o seu próprio destino.

Conforme Dantas, o país deu instruções tangíveis para avançar no programa mundial de redução de armas, criação de zonas sem armas nucleares, verificação de armas e medidas de controle, e promoção da colaboração internacional em tecnologias de desarmamento. O Brasil, via PEI, estabeleceu como prioridades a paz, a segurança, o multilateralismo e a cooperação. Estas estruturas foram importantes para reforçar a prossecução de uma diplomacia estável e construtiva, baseada nos princípios da justiça e da igualdade entre as nações.

Dantas explica que a visita de Goulart aos Estados Unidos e ao México teve como objetivo aprimorar as relações bilaterais com as duas nações, com temas como comércio, alinhamento regional, investimentos e segurança hemisférica. Goulart falou em apoio a uma parceria hemisférica e discutiu questões bilaterais e globais. A reunião resultou em conversações não convencionais e potenciais acordos entre as partes que visavam melhorar a colaboração econômica, científica, educacional e cultural. O Brasil conseguiu trabalhar com países de diferentes ideologias e crenças políticas e seguir uma política externa pragmática e alinhada aos seus interesses nacionais.

O impacto da visita foi significativo, pois demonstrou a capacidade do Brasil de dialogar e trabalhar com países de diferentes ideologias e crenças políticas. A política externa de Goulart foi caracterizada por um pragmatismo que permitiu ao Brasil seguir seus interesses nacionais de maneira eficaz. Por meio dessas reuniões, o país conseguiu fortalecer sua posição internacional, promovendo uma imagem de um país independente e disposto a colaborar de maneira construtiva no cenário global. Essa abordagem pragmática e alinhada aos interesses nacionais reforçou a soberania do Estado brasileiro e destacou sua habilidade em navegar complexidades diplomáticas em um mundo dividido pela Guerra Fria.

O estabelecimento de uma política externa soberana marcou uma virada na diplomacia brasileira. A abordagem autossuficiente e pragmática do Brasil contribuiu para a manutenção de uma posição equilibrada na plataforma global durante a Guerra Fria. A ênfase do Brasil na paz, no desenvolvimento internacional e na descolonização levou ao estabelecimento de laços diplomáticos com vários países, incluindo aqueles que se opunham ao regime comunista, como evidenciado pela retomada dos laços diplomáticos com a União Soviética. A abordagem de Goulart-Dantas centrou-se na promoção da integração regional, no fortalecimento das ligações com a América Latina, especialmente com a Argentina, e na promoção da estabilidade política e do crescimento econômico. O Brasil esteve ativo nos debates internacionais sobre desarmamento, direitos humanos e descolonização em países como Angola, e demonstrou o seu compromisso com estas questões.

As visitas aos Estados Unidos e ao México impulsionaram as conexões bilaterais e incentivaram a cooperação em várias regiões. A independência do Brasil não só elevou o seu estatuto como um ator nas relações internacionais, mas também solidificou a sua liderança ética e prática na busca da paz, da segurança e de alianças multilaterais. A política externa autônoma do Brasil foi uma característica definidora, mostrando que o país poderia agir com independência e pragmatismo em escala global.

A política externa independente do Brasil mostrou que o país poderia agir com autonomia e pragmatismo em escala global. Essa autonomia foi vital para que o Brasil pudesse se posicionar de forma assertiva em temas sensíveis, como a não-proliferação nuclear e o apoio a movimentos de independência em colônias africanas e asiáticas. Além disso, a PEI facilitou a abertura de novos mercados para produtos brasileiros, diversificando suas exportações e fortalecendo a economia nacional. Portanto, o Brasil não apenas elevou sua influência global, mas também contribuiu significativamente para a criação de um sistema internacional mais justo e equilibrado, no qual os interesses dos países em desenvolvimento eram mais respeitados e considerados.

REFERÊNCIA

DANTAS, San Tiago. Política externa independente. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011.

Fabricio Teobaldo Santos é graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Atua como professor de francês do projeto de extensão e cultura da UFGD.
Fernando Rodrigo Trajano da Silva é graduando em Relações Internacionais na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Trabalho orientado pelo prof. Tomaz Espósito Neto (UFGD)

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353