Resenha: “A Governança da China II”, de Xi Jinping: perspectivas sobre a nova arquitetura do poder global

Volume 11 | Número 114 | Dez. 2024

Leonardo dos Santos Fernandes

As relações internacionais das últimas décadas passaram por transformações profundas, especialmente no que diz respeito à arquitetura do poder global. Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo ficou sob a égide de uma ordem internacional construída e sustentada pelos Estados Unidos, centrada em seus próprios interesses. No entanto, nas últimas décadas, um novo ator de peso, desafiando expectativas e crescendo rapidamente, emergiu ou reemergiu no grande tabuleiro da política global: a China.

Com uma produção industrial robusta e investimentos significativos em tecnologia e outras áreas vitais para o país, a China, sob a liderança de Xi Jinping, emerge com força para equilibrar a balança de poder internacional. Nesse contexto, é crucial compreendermos seus princípios e as principais agendas, tanto nas relações internacionais quanto na política interna desse gigante asiático. A obra “A Governança da China II”, de 2019, oferece um interessante vislumbre da consciência do líder chinês, Xi Jinping.

O líder político chinês nasceu em 15 de junho de 1953, na cidade de Pequim. Seu pai foi um dos revolucionários fundadores da República Popular da China (RPC), desempenhando papel importante na construção da RPC. Durante a Revolução Cultural de Mao, ele foi expurgado para a zona rural da China, no condado de Yanchuan. Ainda na adolescência, após a perseguição e queda de seu pai durante a Revolução Cultural, Xi viveu numa caverna na aldeia de Liangjiahe, onde aderiu ao Partido Comunista da China (PCCh) e trabalhou como secretário do partido.

Xi Jinping formou-se em engenharia química na Universidade de Tsinghua. Posteriormente, iniciou sua carreira política nas províncias costeiras da China, atuando como governador de Fujian, de 1999 a 2002, e secretário do Partido Comunista, em Zhejiang, de 2002 a 2007. Em 2008, foi nomeado vice-presidente durante a gestão de Hu Jintao, acumulando também o cargo de vice-presidente da Comissão Militar Central. Em novembro de 2012, Xi foi eleito secretário-geral do PCCh e presidente da Comissão Militar Central pelo 18º Comitê Central do PCCh, alcançando a liderança suprema do país.

O primeiro volume de “A Governança da China” foi publicado em setembro de 2014, como uma coleção de importantes discursos e artigos de Xi Jinping. O segundo volume, com tradução para o português lançada em 2019, contém 99 artigos, incluindo discursos e escritos de Xi Jinping, produzidos entre agosto de 2014 e setembro de 2017. O livro também apresenta 29 fotografias e está dividido em 17 tópicos temáticos, com artigos organizados em ordem cronológica dentro de cada tópico.

O primeiro tópico é “Socialismo com características chinesas e o sonho chinês”. Xi Jinping inicia lembrando as conquistas e o legado revolucionário de Deng Xiaoping. Segundo Xi, o que Deng procurava incansavelmente era o aumento do bem-estar do povo. No novo período de reforma e abertura, Deng sublinhou ainda mais a persistência no princípio de buscar a verdade dos fatos e de trabalhar com um espírito pragmático (XI, 2019).

Em sua concepção de política interna, Xi argumenta que a liderança do PCCh é essencial para o socialismo com características chinesas. O fortalecimento, a existência e a prosperidade do país dependem da afirmação do Partido. Para o líder chinês, para liderar o mais de 1,3 bilhão de chineses na construção de uma sociedade moderadamente próspera, o Partido deve se adaptar à nova normalidade de crescimento econômico, compreendê-la e orientá-la. Assim, poderá conduzir o desenvolvimento social e econômico e melhorar sua capacidade de controlar a direção, ou, em linhas gerais, fazer o planejamento geral (XI, 2019).

No tópico “Diplomacia de grande país”, o presidente da China diz que a bandeira a ser erguida por seu país é a da paz, desenvolvimento e cooperação com foco no benefício mútuo, levando em consideração a situação nacional e internacional. A soberania e a segurança também são pautas caras ao grande país asiático, que sofreu, no século XIX, com múltiplas intervenções estrangeiras em seu território. Nesse contexto, Xi afirma que sua nação deve salvaguardar e prolongar o importante período de oportunidades estratégicas para seu desenvolvimento, fincando bases sólidas para a realização das metas dos “dois centenários” e do sonho da grande revitalização de sua nação (XI, 2019).

No mundo atual, em constantes transformações, com o surgimento de novas oportunidades e desafios, o mandatário afirma que o reajuste do sistema internacional e as correlações de forças no tabuleiro político global estão em profundas alterações. A China precisará de uma visão holística que consiga abarcar ideias como a de um mundo cada vez mais multipolar e que a globalização não retrocederá. O país precisa estar ciente das contradições sistêmicas e focar a paz e o desenvolvimento, construindo uma diplomacia de grande país com características próprias. Xi também ressalta a liderança do PCCh na construção do socialismo com características chinesas, sendo um imperativo reforçar a liderança centralizada e unificada do partido (XI, 2019).

Nesse tópico, Xi talvez comunique o grande projeto da China para o mundo: “Construir uma comunidade de futuro compartilhado”. Discursando na Organização das Nações Unidas (ONU) em 2017, o líder chinês afirmou que as incertezas são cada vez maiores e as pessoas depositam suas esperanças no futuro. Devemos buscar entender de onde viemos e para onde vamos, em que estágio estamos. O mundo passou por um século sangrento de duas grandes guerras e, em seguida, pela Guerra Fria, além das lutas anticoloniais, que representam um grito por independência. A ampliação da cooperação e a promoção do desenvolvimento comum têm sido uma grande demanda de muitos países. O mundo é cada vez mais interconectado e interdependente, compartilhando o mesmo futuro. Nesse sentido, a cooperação e o benefício mútuo, na lógica do ganha-ganha, têm cada vez mais impulso (XI, 2019).

Xi admoesta que, apesar da era de desenvolvimento, a política do poder ainda prevalece, e as ameaças à segurança são variadas e iminentes: terrorismo, crise de refugiados, doenças contagiosas e mudanças climáticas se espalham cada vez mais. Nesse cenário, só há uma Terra, nosso único lar comum de toda a humanidade. Segundo o presidente, devemos apreciá-la e cuidar dela, citando o lema “um por todos e todos por um”. Devemos pensar nas próximas gerações e assumir responsabilidades por seu futuro (XI, 2019).

Transmitir a paz de geração em geração tem que ser um imperativo. Manter o crescimento e trazer aumento civilizacional são compromissos da nossa geração. Nesse sentido, a abordagem chinesa é, segundo Xi, construir uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade, para alcançar o desenvolvimento comum em benefício de todos (XI, 2019).

Referência

XI, Jinping. A governança da China II. Volume 2. Rio de Janeiro: Contraponto; Foreign Language Press, 2019. 698p. ISBN 9788578661-31-1.

Leonardo dos Santos Fernandes é mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e graduado em História pela mesma instituição.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353