A questão do desenvolvimento: uma análise das principais perspectivas e autores

  Volume 9 | Número 89 | Fev. 2022



Por João Miguel Villas Boas Barcellos, 

Estado, geopolítica e desenvolvimento. 

Ao analisar o processo de desenvolvimento, Fiori (2014) faz sete generalizações para se entender o êxito das nações que mudaram de patamar na perseguição ao projeto de poder político e econômico: 1. Apenas os elementos endógenos não são capazes de explicar o desenvolvimento bem-sucedido; 2. Os tabuleiros geopolíticos desempenham um papel primordial na identificação e resposta às ameaças; 3. O posicionamento geopolítico ajuda a explicar a trajetória de cada potência; 4. As rebeliões sociais e mesmo as guerras civis foram de suma importância para forjar uma elite capaz de liderar o processo de desenvolvimento; 5. O expansionismo e o imperialismo foram constantemente usados como instrumento de poder político e econômico das grandes potências – aqui vale uma importante afirmação do autor em que ele afirma que todas as potências se utilizaram da estratégia mercantilista desde o início e não dos instrumentos liberais -; 6. As potências vencedoras impuseram permanentemente suas moedas como referência nas transações; 7. Por fim, o poder de emissão da dívida pública foi usada pelas grandes potências como alavanca fundamental no processo de enriquecimento e financiamento das guerras e do processo de desenvolvimento (FIORI, 2014, pp. 37-45).
O que Fiori nos coloca é que o processo de desenvolvimento sempre foi uma dinâmica de poder e riqueza exclusiva das potências que lograram vencer obstáculos históricos e sistêmicos. Concordando com Fiori acerca da estratégia mercantilista, Ha-Joon Chang (2002), inicia o segundo capítulo do seu clássico livro: “Chutando a Escada”, analisando, com ironia, o desenvolvimento das nações ricas a partir do instrumental liberal. Livre comércio, abertura comercial e pouca intervenção do Estado seriam pilares de sustentação do progresso técnico e da mudança estrutural (CHANG, 2002). Tais elementos seriam hoje propagados como receita elementar para os povos atrasados alcançarem o desenvolvimento. As instituições consideradas “especialistas”, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), think tanks e fundações renomadas como Wilson Center, Ford, Council on Foreing Relations, dentre outras, financiam estudos, bolsas de pesquisa e uma vasta produção científica com o mesmo objetivo, qual seja o de naturalizar os elementos liberais como motor da prosperidade e do progresso técnico (MEDEIROS, 2018). Para além da proteção tarifária à indústria nascente, Chang (2002) afirma que outras políticas implementadas pelo Estado foram decisivas no processo de catching-up, como direito de monopólio, subsídios, planejamento dos investimentos, câmbio e outras.
Nesse sentido, a História Econômica e a Economia do Desenvolvimento, como o próprio autor e outros (MAZZUCATO, 2015; MEDEIROS, 2018, NAYYAR, 2008, REINERT, 2008), dão-nos fartas contribuições afirmando o contrário: sem a coordenação estatal, por meio de variados incentivos, não é possível alcançar a mudança estrutural. Fiori (1999) propõe a existência de três escolas que analisam a relação entre Estados, moedas e riqueza das nações, a saber: a liberal, a marxista, e a mercantilista. A respeito da última – escola com a qual dialogamos com mais convergência no trabalho – tem como pilar o nacionalismo econômico e reconhece a relação direta e inseparável entre o poder político, o manejo das moedas e a expansão e distribuição desigual da riqueza entre Estados territoriais orientados, em última instância, pela ideia de inevitabilidade da guerra econômica ou militar, e, portanto, da importância do controle nacional do dinheiro e das armas (FIORI, 1999, p. 53).
Abordagens heterodoxas da Economia Política acerca da mudança estrutural
O desenvolvimento econômico tem como um dos principais pilares a ideia de “mudança estrutural”. Esta é definida de variadas formas; as mais comuns incluem mudança na estrutura produtiva, nos agregados econômicos, um papel importante à indústria e ao processo de urbanização (SYRQUIN, 2007). 
Todo processo de mudança nos padrões de desenvolvimento econômico – como a urbanização – promove um conflito distributivo, cujo principal árbitro é o Estado. Nesse sentido, Kuznets afirma que tendo em vista a pressão por mudança de posição social, em decorrência do crescimento, as classes atrasadas ou avançadas tendem a buscar seu lugar na nova realidade.[1] A Guerra de Secessão (1861-65) seria um dos exemplos históricos deste processo, porém poderíamos citar muitos outros, como a Revolução de 1917 na Rússia ou mesmo a Revolução Francesa (1789).
No artigo “Modern Economic Growth: Findings and Reflections”, Kuznets advoga a tese de que a tecnologia desempenha um papel fundamental no crescimento e no desenvolvimento de um país. No entanto, para que se obtenha resultados satisfatórios é necessário investir em conhecimento, além de construir instituições e leis que, se bem usadas, desempenham papel relevante neste processo. Assim, a “economia moderna” teria seis características fundamentais: a primeira seriam as altas taxas de crescimento do PIB per capita nos países considerados desenvolvidos; a segunda o aumento de produtividade; a terceira, a taxa de transformação estrutural da economia – em que o principal efeito seria o deslocamento da atividade agrícola para a não-agrícola e da indústria para os serviços – ; a quarta, a mudança nas bases da sociedade, como o advento da urbanização e a secularização; a quinta seria a capacidade do país desenvolvido de unificar seu território com a comunicação e transportes, em decorrência do avanço tecnológico; por fim, a sexta característica seria a dispersão do crescimento econômico moderno, porém com limitadas possibilidades de replicação no mundo menos desenvolvido.[2] As seis características estão entrelaçadas e devem ser, segundo Kuznets, observadas no seu conjunto.[3]
Para Paul Rosenstein-Rodan (1957), o desenvolvimento econômico deveria ser estimulado por um big push, em que os investimentos podem ajudar a saltar os obstáculos existentes [4]. Já para Walt Rostow (1959), em seu trabalho “The stages of economic growth”, de 1960, o autor advoga que o desenvolvimento econômico precisa passar por etapas, quais sejam a sociedade tradicional, cujas funções produtivas são limitadas e pré-newtonianas; as pré-condições para decolagem (take-off), etapa em que as descobertas advindas da ciência moderna começam a ser praticadas, porém ainda há baixa produtividade; a decolagem ou o take-off, momento em que acontece o início da modernização econômica em função do surgimento de grupos empresariais – aqui há uma ampliação do investimento industrial – ; a quarta etapa seria o caminho da maturidade, no qual há o predomínio do investimento intensivo em capital e, por fim, a era do consumo de massas, em que a produção de bens de consumo duráveis se difunde e marca uma nova etapa do desenvolvimento humano focado no bem-estar social.[5]
Um elemento importante nas discussões acerca do desenvolvimento econômico e da transformação estrutural é o de “atraso econômico”. Atribuído ao russo Alexander Gershenkron (2015), o conceito se desdobra em um modelo de desenvolvimento aos “países retardatários” na ordem mundial que se baseia em “queima de etapas”, ou seja, o Estado poderia ser o grande indutor deste processo e fazer o país pular obstáculos. De acordo com Bastos e Mazat (2015), Gerschenkron critica os modelos marxistas – a luta de classes como o motor da História – e o etapismo rowstoniano, no qual haveria etapas específicas em que o Estado deve seguir para industrializar-se. Para Gerschenkron, quanto mais atrasado for o Estado, mais intervenção ele deverá fazer para modernizar a economia. O autor argumenta ainda que houve grande diferença entre os processos de desenvolvimento dos países avançados e os atrasados e que as estruturas institucionais desempenharam papel diferente em ambos[6].
Muitas demandas por inovação e transformação estrutural vêm do Estado e tem no seu “sistema nacional de inovação” as principais soluções (MEDEIROS, 2018). Um dos elementos fulcrais disso é o gasto público que teria grande capacidade indutora para a inovação no setor privado (IBIDEM, 2018). Nesse sentido,

Por reunir um grande poder de compra, o setor público cria um grande mercado para produtos e sistemas que encontram-se na frente do estado da arte e este função de ‘comprador de primeira instância’ constitui um vetor essencial para se contrapor à incerteza, fator considerado essencial ao processo inovativo, o ‘vale da morte’ normalmente associada entre a fase da pesquisa e a da aplicação comercial, por outro lado, ao aproximar os usuários dos fornecedores resolve os problemas de coordenação assimetrias que se afirmam como obstáculos ao processo de inovação. (MEDEIROS, 2018, p. 06)

Este “Estado empreendedor”, que coordena os gastos e investimentos, desenvolveu a maioria das inovações revolucionárias. Das ferrovias à internet, passando pela nanotecnologia e produtos farmacêuticos, do GPS ao touch-screen, “foi a mão visível do Estado que fez essas inovações acontecerem” (MAZZUCATO, 2015, p. 26). Ou seja, para muito além da correção das “falhas de mercado”, o Estado coordena e regula o processo dinâmico do desenvolvimento. De modo a responder aos desafios sociais impostos. O caso dos Estados Unidos é emblemático. O papel do Estado no processo de inovação é estratégico e historicamente decisivo. Além do “Projeto Manhatan” e das inovações supracitadas é importante constatar que a estrutura de C&T estadunidense é amplamente coordenada pelo Estado,

O sistema nacional de inovação dos EUA é um complexo de agências federais: DARPA (Defense Advanced Research Project Agency), NASA, DoE, CIA, NSF (National Sanitation Foundation), NIH (National Institutes of Health), SBIR (Small Business Innovation Research) e, mais recentemente, DHS (Departmente of Homeland Security). Todas elas são “mission-oriented agencies” envolvidas no empreendimento de Ciência e Tecnologia (S & T). (MEDEIROS, 2018, p. 08).

Um dos componentes do sistema nacional de inovação e de grande importância para a fronteira tecnológica é o complexo industrial-militar. Devido aos imperativos geopolíticos, o campo da Defesa e Segurança sempre foi visto como estratégico e uma prioridade ao Estado. Grande parte das inovações tecnológicas de uso civil tiveram sua origem nas demandas militares do Estado. Grande parte da fronteira tecnológica, como os semicondutores, está contida nas necessidades do avanço tecnológico militar. Por exigirem um altíssimo investimento, dependem das encomendas estatais para avançarem. A internet e o GPS são dois exemplos entre vários que passam despercebidos pela sociedade civil. Voltaremos a falar mais adiante sobre a importância do setor militar, em especial do complexo industrial-militar, para a inovação e elemento da estratégia geopolítica do Estado. 
Faz-se mister recordar que o processo de desenvolvimento econômico e social nunca foi pacífico ou acessível à todos os países. A própria formação do Estado é fruto da guerra (TILLY, 1990) e os elementos geopolíticos moldaram aquilo que Fiori (2014) chama de “sistema interestatal capitalista”. Pensar o desenvolvimento das nações é pensar também como as unidades de poder – modernamente, o Estado – guerrearam para construir posições privilegiadas da hierarquia de poder global. Nesse sentido, como citamos no tópico de “geoeconomia” mais acima, o Estado lança mão de uma série de instrumentos econômicos para atingir os fins políticos. Chang (2002) cita o roubo de informações, espionagem industrial e até o sequestro como prática comum dos países mais atrasados no século XIX (como Países Baixos, França, Alemanha e Bélgica). Por esse motivo, os países mais avançados criaram suas leis de patentes (CHANG, 2002, pp. 103-104). A falsificação de produtos era também corriqueira. Ou seja, hodiernamente, os países avançados reclamam dos emergentes, principalmente da China, exatamente das mesmas práticas que eles se empenhavam em fazer. A diferença é que hoje, os PADs conseguiram institucionalizar em tratados e organismos multilaterais internacionais como TRIMs, TRIPs, OMC, OMPI etc., regras e penas aos “infratores”. 
Esta citação resume a questão:

Quando estavam em situação de catching-up, os PADs protegiam a indústria nascente, cooptavam mão de obra especializada e contrabandeavam máquinas dos países mais desenvolvidos, envolviam-se em espionagem industrial e violavam obstinadamente as patentes e marcas. Entretanto, mal ingressavam no clube dos mais desenvolvidos, puseram-se a advogar o livre-comércio e a proibir a circulação de trabalhadores qualificados e de tecnologia; também se tornaram grandes protetores das patentes e marcas registradas. (CHANG, 2002, p. 114)

Chang afirma que quase todos os países desenvolvidos lançaram mão da proteção industrial. Inglaterra e Estados Unidos, tidas como pátrias do livre-comércio, não fizeram diferente. Após terem assumido a dianteira da competição capitalista, resultado de políticas de incentivo do Estado (Coroa e Parlamento) do século XIV até o XVIII, a Inglaterra aderiu ao livre-cambismo na segunda metade do século XIX. (Chang, pp. 107-109). Com os Estados Unidos a lógica não foi diferente durante mais de um século (1816-1945), o governo norte-americano pôs essa lógica em prática com mais diligência do que qualquer outro. Nesse período, o país teve uma das taxas tarifárias médias de importação de manufaturados mais elevadas do mundo. (CHANG, 2002, P. 110). Reinert (2008) vai na mesma direção e salienta que os países ricos se tornaram ricos 

Porque durante décadas, muitas vezes séculos, seus governos e suas elites dominantes instituíram, subvencionaram e protegeram indústrias e serviços dinâmicos. Eles emularam os mais prósperos países da época, conduzindo suas estruturas produtivas para as áreas em que a mudança tecnológica se concentrava. (REINERT, 2008, p. 37)

As nações ricas e avançadas passaram uma fase sem livre-comércio, instituindo, após o alcance do desenvolvimento satisfatório, o livre-comércio aos países atrasados (REINERT, 2008). Há uma série de tratados, acordos multilaterais, sem falar no constrangimento cultural, que tornam determinadas políticas industriais “fora da lei”. ou seja, romper com a lógica do centro de poder mundial é o único caminho. Todavia, para alcançar tal façanha é necessário estar preparado para os “castigos” dos países ricos, como sanções, ataques especulativos, guerra cambial e retaliações multilaterais, como no âmbito da OMC. 
Muitos economistas, políticos e “administradores” da ordem mundial liberal argumentam que, no máximo, o papel do Estado deve ser o de reparador das externalidades negativas ou mesmo não se comportar como articulador do processo de desenvolvimento. A ênfase desses autores[7] está na formatação das instituições transformadoras, elas seriam o carro-chefe do progresso técnico. Todavia, as instituições liberais são exatamente o oposto do que os países emergentes precisam, afinal, cerceiam as políticas outrora praticadas pelos países mais avançados de hoje. Há, portanto, uma expressiva contradição entre discurso e prática por parte dos países desenvolvidos. As evidências históricas nos mostram que a via proposta atualmente pelas potências mundiais não permite que as nações mais atrasadas rompam as amarras da dependência. A única forma de fazê-lo é contestando o discurso liberal-institucionalista e implementando uma política de desenvolvimento coordenada pelo Estado e amplamente utilizada no passado. A China é o grande exemplo disso, mas Índia, Brasil e outros emergentes, sempre que lançaram mão de políticas desenvolvimentistas obtiveram êxito, pelo menos parcialmente. 
Há uma armadilha de produtividade e renda profundamente danosa aos países em desenvolvimento. Se antes, no século XIX e início do XX, a proporção de renda per capita era de 4 para 1, hoje ela é insuperável chegando a até 60 para 1 (CHANG, 2002, p. 119)[8]. Como alterar tal absurda disparidade por meio de políticas neoliberais? A China “chutou a escada” e a Índia parcialmente o fazem. Entretanto, a história econômica nem sempre foi assim. Houve um movimento de “Grande Divergência” a partir da ascensão das nações europeias no século XVI que se aprofundou com a Revolução Industrial no século XVIII. O que ao longo do século XX foi chamado de periferia era o centro econômico da produção mundial. China e Índia chegaram a ter juntas 50% da população e renda mundiais entre o ano 1000 e 1500. Impressiona a mudança na estrutura econômica do século XIX em diante. Nas palavras de Nayyar, um breve resumo da questão:

De 1000 a 1500, a importância conjunta da Ásia, da África e América do Sul (…) na economia mundial era esmagadora. De 1500 a 1820, tornaram-se discerníveis alguns primórdios de mudança. De 1820 a 1950, a importância desses três continentes sofreu um declínio. (NAYYAR, 2008, p. 33) 

Com a ascensão dos constrangimentos do chamado Consenso de Washington[9] e com as imposições da “diplomacia do dólar” (TAVARES, 1985) ficou ainda mais difícil imaginar qualquer possibilidade de superação do subdesenvolvimento ou da dependência estrutural dos países atrasados. As regras no comércio internacional institucionalizadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) que combatem ferrenhamente o protecionismo impõe o congelamento do status quo no sistema interestatal capitalista. Os “Estados desenvolvimentistas” passaram por uma fase de descrédito, seja na América Latina, seja na Ásia. Desnacionalização de empresas, fruto do aumento no investimento estrangeiro direto (IED) e das fusões e aquisições (AMSDEN, 2007), além da forte desindustrialização em alguns países como Argentina, México e Brasil, enfraqueceram sobremaneira a capacidade de controle do processo de desenvolvimento pelo Estado.
Contudo, os países que ousaram “nutrir ambições de unir-se às fileiras dos inovadores da classe mundial e basear a expansão de seus setores de alta tecnologia em firmas nacionais e investimentos” (AMDSEN, 2007, p. 434) não foram engolidos pela ordem neoliberal dos anos 1990. A “ascensão do resto” (AMDSEN, 2007) e a “Convergência” (NAYYAR, 2008) contribuem para uma mudança na estrutura econômica mundial.
Poderíamos ir mais além e afirmar que as nações ricas e avançadas impuseram uma ordem econômica internacional na qual se tornou muito difícil a qualquer nação atrasada superar a pobreza. Exemplo disso é o problema da restrição externa e o financiamento do processo de desenvolvimento pelos países atrasados. Sem divisas para financiar as importações ao longo do processo de desenvolvimento, o país tenderá a buscar o caminho do endividamento externo e poderá ter problemas em seu balanço de pagamentos. Desse modo, tem-se que ou o país aumenta sua capacidade de exportação ou lança mão do endividamento externo como forma de conseguir as divisas necessárias para financiar o aumento do produto. Todavia, esta última dependerá do custo do passivo e da disponibilidade de crédito (BHERING; SERRANO, 2013). 
Partindo da premissa de que a importação é elemento fundamental para o desenvolvimento, Prebisch (1949), ao analisar os países subdesenvolvidos e a restrição externa, entende que o mecanismo capaz de superar o atraso é a substituição de importações via industrialização, que ajudaria o país a superar a tendência a importar. Prebisch sintetiza o problema da seguinte maneira:

En este proceso de crecimiento de los países menos desarrollados, en que se van asimilando progresivamente nuevas formas de producir de los más desarrollados, también sobrevienen transformaciones en la demanda similares a las que en ellos se operan. A medida que el ingreso real per capita sobrepasa ciertos niveles mínimos, la demanda de productos industriales tiende a crecer más que la de alimentos y otros productos primarios. No obstante, la situación de los países menos desarrollados es muy distinta a la de los centros, pues éstos importan de aquellos productos primarios de mucho menor elasticidad-ingreso de demanda que la de los artículos industriales que la periferia importa de los centros. Para acrecentar su ingreso real, los países periféricos necesitan importar bienes de capital cuya demanda crece por lo menos con dicho ingreso, al mismo tiempo que la elevación del nivel de vida se manifiesta en intensa demanda de importaciones de gran elasticidad que tienden a crecer más que el ingreso[10]. (PREBISCH, 1952 , p. 12)

É bom ressaltar que Prebisch, ao defender a substituição de importações, não propugnou o rompimento com o capitalismo ou contra as importações, mas sim a necessidade de viabilizar o crescimento econômico. Porém, 

O sucesso relativo da estratégia de substituição de importações dependia, por sua vez, da eficácia com que os diversos mecanismos de política econômica alocassem as divisas escassas para a importação dos bens de capital e matérias-primas necessários à industrialização. (MEDEIROS; SERRANO, 2001, p. 43). 
Entretanto, como observa Tavares (1972), é necessário coordenar o processo de substituição de importações (PSI) de modo a evitar que ele aumente a propensão a importar. O processo não é uma “simples substituição de importações”, pois não tem como fim a autarquia e, portanto, o fim das importações, mas à medida que avança o PSI há um necessário aumento de demanda por bens mais complexos até chegar aos bens de capital e se completar o processo total[11]. Todavia, o país deve observar a possibilidade de aumento da dependência externa à medida que o PSI avança, bem como a obsolescência do bem substituído. (TAVARES, 1972)
A abordagem do crescimento voltado para fora, via exportações, tem um viés neoclássico. Desse modo, ela estabelece “um corolário inteiramente arbitrário: as vias de crescimento lideradas pelas exportações foram construídas por políticas econômicas “amigáveis aos mercados” o contrário do que teria predominado naquelas lideradas pelo mercado interno.” (MEDEIROS; SERRANO, 2001, p. 01) 
Considerações finais
Buscamos analisar ao longo do trabalho os principais elementos da mudança estrutural implementada pelos Estados. Partimos da premissa de que o processo de desenvolvimento não ocorre apenas como fruto da vontade e planejamento estatal, muito menos das forças de mercado, mas igualmente de um complexo cálculo de constrangimentos geopolíticos em âmbito global. Com efeito, as mudanças que levarão os Estados a níveis mais elevados de desenvolvimento econômico e social dependem de políticas conscientes e permanentes de planejamento estratégico, investimentos públicos em P&D, além do enfrentamento dos constrangimentos advindos da estrutura de poder global – esta liderada pelas grandes potências. Nesse sentido, a revisão das principais abordagens heterodoxas da Economia Política, serviram para reforçar a premissa acima e ilustrar que as principais experiências de sucesso de mudança estrutural se deram a partir da compreensão de que o Estado é o ente protagonista e de que as iniciativas analisadas são os pilares fundadores do desenvolvimento.

Referências
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BASTOS, Carlos Pinkusfeld; MAZAT, Numa. O atraso econômico em perspectiva histórica – Apresentação. Contraponto, 2015.
BHERING, Gustavo; SERRANO, Franklin. A Restrição Externa ao Crescimento. Julho, 2013.
CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. Unesp, 2002.
FIORI, José Luís. História, estratégia e desenvolvimento: para uma geopolítica do capitalismo. Boitempo Editorial, 2014.
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GERSCHENKRON, Alexander. O atraso econômico em perspectiva histórica e outros ensaios. Contraponto Editora Ltda., 2015, p. 69.
KUZNETS, Simon. Modern economic growth: findings and reflections. The American economic review, v. 63, n. 3, p. 247-258, 1973.
MAZZUCATO, Mariana. O Estado Empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. Portfolio-Penguin, 2014.
MEDEIROS, Carlos A.; SERRANO, Franklin. Inserção externa, exportações e crescimento no Brasil. Polarização mundial e crescimento, v. 1, p. 105-135, 2001.
MEDEIROS, Carlos A. O Progresso Técnico como um Empreendimento de Estado. Aula magna, ANPEC, 2018.
NAYYAR, Deepak. A corrida pelo crescimento–Países em desenvolvimento na economia mundial. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
REINERT, Erik S. Como os países ricos ficaram ricos …e por que os países pobres continuam pobres. Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2008.
ROSENSTEIN-RODAN, P. N. Notes on the theory of the” big push”. Cambridge, Mass.: Center for International Studies, Massachusetts Institute of Technology, 1957.
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SYRQUIN, Moshe. Kuznets and Pasinetti on the study of structural transformation: Never the Twain shall meet?. Structural Change and Economic Dynamics, v. 21, n. 4, p. 248-257, 2007.
TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Biblioteca de Ciências sociais. Economia Biblioteca de ciências socias (Zahar Editores), 1972.
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TILLY, Charles. Coerção, capital e Estados europeus 1990-1992. Edusp, 1996.
[1] Para mais informações a respeito ver: KUZNETS, Simon. Modern economic growth: findings and reflections. The American economic review, v. 63, n. 3, p. 247-258, 1973.
[2] Cf. KUZNETS. Op. Cit., pp. 248-249.
[3] Ibidem, p. 250.
[4] Ver: ROSENSTEIN-RODAN, P. N. Notes on the theory of the” big push”. Cambridge, Mass.: Center for International Studies, Massachusetts Institute of Technology,1957, p.14.
[5] Para mais informações sobre as etapas de Rostow ver: ROSTOW, Walt W. The stages of economic growth. The Economic History Review, v. 12, n. 1, p. 1-16, 1959.
[6] Cf.: GERSCHENKRON, Alexander. O atraso econômico em perspectiva histórica e outros ensaios. Contraponto Editora Ltda., 2015, p. 69.
[8] É importante ressaltar que a diferença máxima, 60 para 1, se dá entre os países mais ricos e desenvolvidos. Chang usa o exemplo de Estados Unidos, Suíça e Japão como mais ricos e Etiópia, Maláui e Tanzânia como mais pobres.
[9] O Consenso de Washington é um arranjo de política econômica liberal que se baliza por 10 pontos: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, IED sem restrições, privatizações, desregulamentação, direito à propriedade intelectual.
[10] Em português: “Neste processo de crescimento nos países menos desenvolvidos, onde novas formas de produção são progressivamente assimiladas dos países mais desenvolvidos, há também transformações na demanda similares às dos países menos desenvolvidos. Como a renda real per capita sobe acima de certos níveis mínimos, a demanda por produtos industriais tende a crescer mais do que a de alimentos e outros produtos primários. Entretanto, a situação dos países menos desenvolvidos é muito diferente da dos centros, pois eles importam produtos primários com elasticidade de demanda de renda muito menor que os bens industriais que a periferia importa dos centros. Para aumentar sua renda real, os países periféricos precisam importar bens de capital cuja demanda cresce pelo menos com sua renda real, enquanto o aumento do padrão de vida se manifesta na alta demanda por importações altamente elásticas de renda que tendem a crescer mais rapidamente que a renda.”
[11] Entende-se por processo total a capacidade do país de produzir todos os bens, dos não-duráveis aos bens de capital.
João Miguel Villas Boas Barcellos é Doutor em Economia Política Internacional no PEPI-UFRJ e mestre na mesma área e mesma instituição. Fez graduação em Relações Internacionais na PUC -GO (2007) e especialização na mesma área na UCAM (2011). Pesquisador integrante do Núcleo de Avaliação da Conjuntura do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Escola de Guerra Naval. É, igualmente, pesquisador do Grupo de pesquisa: “Direitos sociais, direitos fundamentais e políticas públicas”, concentrando sua investigação nas questões econômicas e sociais. Tem interesse acadêmico em: Economia Política Internacional, a relação entre o processo de desenvolvimento e a geopolítica, desenvolvimento econômico e social, pensamento estratégico brasileiro e indiano,Política Externa Brasileira e Indiana, complexo industrial-militar e política industrial voltada à defesa nacional.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353