Estado Islamico e a COVID-19
Volume 7 | Número 71 | Mai. 2020
Por Jessika Cardoso de Medeiros
Desde o início de 2020, os noticiários do mundo estão alertando sobre o avanço e cuidados a serem tomados para se combater e prevenir contra o novo corona vírus (COVID-19). Os Estados estão empregando inúmeras medidas sociais, econômicas e políticas e, seguindo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), tais como lavar as mãos frequentemente, distanciamento social, evitar tocar olhos/boca/nariz.
No entanto, sabe-se que os atores internacionais capazes de tomar decisões não são somente Estados Nações. Existem os atores não-Estatais que influenciam e movimentam debates internacionais, tais como o Estado Islâmico. O grupo, embora tenha perdido a maior parte de seu território, ainda possui alguns domínios e, principalmente, suas atividades midiáticas online continuam a serem produzidas e disseminadas.
Deste modo, em conformidade com o que está acontecendo no mundo com a pandemia da COVID-19, declarada no dia 11 de março pelo Diretor Geral da OMS, o Estado Islâmico no dia 12 de março publicou na edição nº 225 da Al Naba uma página com orientações de prevenção para seus seguidores.
Antes de entrar nas orientações é importante destacar dois pontos, o primeiro é sobre a publicação que foi criada em 2015. Al Naba significa “A Notícia”, que consiste em um relatório com as atividades do grupo e, desde a sua criação continua sendo veiculada de maneira virtual e com periodicidade semanal. Também cabe salientar que esse é um dos meios escritos que é divulgado somente em árabe, assim dispus da atenciosa tradução e explicação das citações do Corão de Mohammed El Jazouli.
O segundo é que a publicação foi retirada do Jihadology.net, blog do pesquisador estadunidense Aaron Y. Zelin e, que possui diversas fontes primárias. Para ter acesso ao site é necessário cadastro que passa pela filtragem do próprio Zelin, sendo necessário comprovar interesses acadêmicos legítimos, uma vez que há uma gama de conteúdo sensível. Desse modo, não há URL de acesso a edição da Al Naba e por questões de segurança, uma vez que envolve todo esse processo de filtragem de usuários, a imagem da publicação não será divulgada.
Retomando, as orientações do Estado Islâmico são divididas em 7 pontos e cada um deles contém uma passagem do Corão que possui alguma relação. A primeira é “A necessidade de crer que as doenças não contaminam por si mesmas, mas na ordem e destino de Deus. Segundo Anas Ibn Malik que o profeta falou: O Deus me protege da Hanseníase e da lepra (Contou Ahmed)”. Aqui vemos que o Estado Islâmico acredita que a doença seguirá o destino que Deus der e que é importante se apoiar n’Ele para proteção.
A segunda é “A necessidade de se cuidar, tomar precauções contra doenças e tentar evitá-las. Segundo Aisha: um dia eu perguntei a profeta sobre a peste, e ele me respondeu: É um tormento que Deus envia a quem quiser, e que Deus fez dele uma misericórdia para os crentes. Nenhum de vós pega a Peste e permanece em seu país paciente da doença, sabendo (crer) em destino e que tudo é no controle de Deus. Deus vai considerá-lo como um mártir”. Nesta vemos a defesa de que a doença é algo que Deus enviou e que o mesmo protegerá quem for fiel à Ele. Mas também a responsabilidade do acamado em se manter em seus país e não sair, para, por fim, ser recompensado por pensar no próximo.
A terceira é “O aviso (conselho) de cobrir a boca ao bocejar e espirrar. Segundo Jaber ibn Abdellah a profeta falou: Cubra os vasos (utensílios domésticos) e amarre o odre, pois há uma noite no ano em que a epidemia ocorre e se ela passa por um vaso aberto ou um odre não fechado, desce dentro. (Contou Muslim)”.
A quarta é “O aviso (conselho) de lavar as mãos antes de tocar (mergulhar) as mãos no vaso (utensílios domésticos). Segundo Abu Hurairah a profeta falou: Não é a contaminação, não é pessimismo, não é Tytonidae, não é Safar. (Contou Muslim)”. Seguindo a ordem do que está na fala do profeta, o primeiro significa que não se deve ter medo do vírus, pois Deus irá proteger; o pessimismo não deve tomar conta do indivíduo/ Tytonidae é coruja, e é visto em alguns lugares como um animal de mal presságio, mas o Islã fala que não, é só um animal; o Safar é um mês do calendário islâmico e tido também como uma época de pessimismo, sendo que o Islã defende que é um mês normal.
A quinta é “O aviso (conselho) de deixar tudo na mão de deus, e pedir Deus proteção das doenças. Segundo Abu Hurairah a profeta falou: Fuja do leproso como se tu fujas do leão. (Contou El Boukhari)”. Nesta orientação há o reforço do que a primeira e a segunda pregam.
A sexta é “O aviso (conselho) que os doentes não entram para a terra dos não contaminados, e não a saída dos contaminados da terra da epidemia. Segundo Abu Hurairah a profeta falou: se alguém espirrar, ele deve cobrir a boca durante espirrar com a mão ou roupa dele. (Contou Abu Daoud)”. Pode-se inferir nessa diretriz que o Estado Islâmico orienta à não sair de seus territórios e, principalmente não irem para Europa (terra da epidemia). Embora não haja nada claro neste sentido, essa inferência é com base nas investidas do grupo em território europeu e como este está sendo fortemente atingido pela pandemia do COVID-19.
A sétima, e última orientação, é “O aviso (conselho) de cobrir os vasos (tensílios domésticos) e amarrar o odre. O profeta falou: se alguém acabou de acordar, ele não deve colocar a mão no vaso (utensílios domésticos) antes lavar as mãos 3 vezes, pois ele não sabe onde tocou sua mão quando estava dormindo. (Hadith com acordo)”. Quando se levanta deve-se lavar as mãos e o rosto com sabão e, aqui também está a lógica de lavar os utensílios, manter tudo limpo, inclusive em casa. Esta sétima faz remissão à quarta orientação, mostrando que apesar de estarem separadas em tópicos, elas de complementam.
O objetivo desse texto foi mostrar que o Estado Islâmico, que ainda é um importante ator internacional, também se apresenta atento às mudanças que a pandemia trouxe para o mundo. Embora em nenhum momento haja a citação da entidade OMS, observa-se em algumas orientações que há o alinhamento com as medidas protetivas defendidas pela organização internacional.
Referências
MOREIRA, Ardilhes; PINHEIRO, Lara. OMS declara pandemia de coronavírus. 2020. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/11/oms-declara-pandemia-de-coronavirus.ghtml. Acesso em: 20 abril 2020.
NAPOLEONI, Loretta. A fênix islamista: o Estado Islâmico e a reconfiguração do Oriente Médio. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2015.
WHO, World Health Organization. Basic protective measures against the new coronavirus. 2020. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public. Acesso em: 20 abril 2020.
ZELIN, Aaron Y.. Jihadology. 2020. Disponível em: <https://jihadology.net/>.
Jessika Cardoso de Medeiros é mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM/UFF). Bacharel em Defesa e Gestão Estratégica Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Cursando graduação em Direito na Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Agente de Proteção no Centro de Proteção a Refugiados e Imigrantes da Fundação Casa de Rui Barbosa (CEPRI – Casa Rui).
Como citar:MEDEIROS, Jessika Cardoso de. Estado Islamico e a Covid-19. Diálogos Internacionais, vol.7, n.1, mai.2020. Acesso em: 11 de mai.2020. Disponível em: http://www.dialogosinternacionais.com.br/2020/05/estado-islamico-e-covid-19.html