Resenha: Vinte anos da originalidade de “Estados e moedas”

Volume 6  |  Número 61  |  Jun. 2019

Por Bernardo Salgado Rodrigues * 

O esquecimento é um mal crônico do Brasil. Há falta de memória dos clássicos da literatura, da cultura popular, dos fatos históricos, da geografia inexplorada, do conhecimento inovador, do progresso nacional, da origem da riqueza das nações. Neste último quesito, o livro “Estados e moedas no desenvolvimento das nações” busca suprir essa lacuna ao retomar, sob uma perspectiva crítica, a centralidade do poder político dos Estados e do valor do dinheiro na organização do sistema mundial.
Igualmente à década de 1990, quando o livro foi lançado, a originalidade de “Estados e moedas” (1999) é a retomada de uma interditada discussão acerca das lutas de dominação do desenvolvimento econômico global e a distribuição desigual do poder e da riqueza entre as nações. Dividido em quatro partes, “Geopolítica e sistemas monetários”, “Os ‘capitalismo tardios’ e sua projeção global”, “‘Milagres’ e ‘miragens’ no século XX” e “Para retomar o debate brasileiro”, o livro possui uma perspectiva histórica cuja permanência transcende a conjuntura, haja vista que os grandes debates, que ocorreram há vinte anos, ainda são extremamente contemporâneos. De tal modo, é considerado um ponto de inflexão no estudo da Economia Política Internacional no Brasil desde o ponto de vista metodológico e teórico, ao aprofundar a discussão de um grupo de pesquisadores que ininterruptamente militaram contra à ortodoxia liberal, com uma trajetória favorável à heterodoxia das estratégias de desenvolvimento a partir da perspectiva do poder.
Através das divergências teórico-analíticas e da convergência crítica ao ultra-liberalismo por parte dos autores, é um livro que nasce, cresce, se reproduz e não morre. Seus idealizadores buscaram concentrar seus esforços intelectuais no futuro do desenvolvimento na periferia do capitalismo diante da polarização da riqueza mundial, dirigindo “sua pergunta fundamental ao presente e futuro do desenvolvimento em países periféricos, em particular daqueles que submetem, neste momento, suas estratégias de crescimento econômico à dinâmica da finança privada, global e desregulada” (FIORI, 2012, p.42)
A questão central do papel dos Estados periféricos no sistema internacional seria como gerar uma política estatal autônoma, visualizando-se potenciais aliados e rivais a fim de se pensar as possibilidades geopolíticas de países como o Brasil. Tanto na década de 1990 como na década de 2010, o conceito do “fim da história” e do “Consenso de Washington”, da vitória incontestável do liberalismo político e econômico como atividade estabilizadora apoiada pelo livre mercado e financeirização econômica, devem ser rechaçados e desmistificados. Em outros termos, os Estados que se dispõem a buscar a recuperação dos conceitos de desenvolvimento econômico nacional devem buscar alternativas alheias aos preceitos ultra-liberais.
“Estados e moedas” é um livro para não ser esquecido e, do campo internacional para o campo nacional, auxilia a pensar um novo projeto de pesquisa, avançando o paradigma na Economia Política Internacional. Portanto, é imprescindível “retomar o fio da discussão interrompida, voltando ao problema originário da economia política clássica − o da riqueza das nações − e retomando o debate histórico sobre a viabilidade e os caminhos do desenvolvimento econômico nacional” (FIORI, 2012, p.14). Ou seja, “nesse momento, essa é uma reconstrução útil e talvez indispensável para todos os que se proponham avançar no campo teórico, ou inovar no plano prático das estratégias políticas e econômicas de desenvolvimento” (FIORI, 2012, p.14) 
Diante deste quadro, questionava-se (e questiona-se) qual a perspectiva das forças progressistas no Brasil diante de um quadro totalmente desfavorável na correlação de forças. Para os intelectuais brasileiros da Economia Política Internacional, o maior desafio é remodelar os instrumentos analíticos e conceituais, uma vez que a ininteligibilidade da realidade brasileira atual é latente. Principalmente após as eleições de 2018, é essencial compreender a união entre o ultra-conservadorismo moral, familiar, e religioso com o ultra-liberalismo de Chicago, ultrapassado e entreguista. Nas palavras de José Luis Fiori, em sua exposição que finalizou os trabalhos do ENEPI: “porque o primeiro caminho pra quem quer enfrentar, pra quem discorda, é entender o adversário. E o segundo caminho é pensar o que fazer com o país depois que essa excrescência for superada. É nossa obrigação ética, enquanto intelectuais, pensar o futuro do Brasil.”

Referências 
FIORI, José Luis (org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

* Este texto é o resultado das discussões do III Encontro de Economia Política Internacional (ENEPI) do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional/PEPI-UFRJ, cuja mesa de encerramento foi uma comemoração aos 20 anos da publicação do livro “Estados e moedas no desenvolvimento das nações“.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353