Economia política do desenvolvimento da China
Bernardo Salgado Rodrigues
Este artigo foi escrito com base nos debates realizados na Conferência Internacional “Economia Política do Desenvolvimento da China”, organizado pelo LabChina e PEPI-UFRJ, nos dias 9 e 10 de Março de 2017. Os debates promovidos pela conferência podem ser assistidos no Canal do Instituto de Economia da UFRJ no Youtube. |
O fenômeno da economia política do desenvolvimento mais intrigante e desafiador do século XXI é a China. Ao realizar sua estratégia a partir da segunda metade do século XX, a China intriga o mundo com suas elevadas e contínuas taxas de crescimento que somente podem ser analisadas a partir de uma infinidade de fatores que convergem para um objetivo único: trazer a China para o topo dos grandes players internacionais.
Em termos de padrões de acumulação, a China teria que ultrapassar os umbrais do desenvolvimento tradicional baseado na dependência de recursos, capital e força de trabalho, evitando as suas armadilhas, transformando seu modelo de desenvolvimento em vias sustentáveis interna e externamente. Tal padrão de acumulação vem gerando crescentes tensões nos últimos anos, como: 1) de demanda, com excesso de capacidade produtiva da indústria pesada; 2) distributiva, com a exaustão do regime de alto crescimento, elevação dos salários reais e aumento das tensões capital-trabalho; 3) tecnológica, com a exaustão da modernização da tecnologia importada e conseqüente declínio da complementaridade tecnológica com os EUA e o Japão; 4) geopolítica, com a afirmação da China como centro econômico asiático e crescente competição e conflitos regionais sobre controle de fronteiras, de matérias-primas, alimentos e energia.
Tal mudança de paradigma ficou conhecido na literatura acadêmica como “o Novo Normal”, cuja inovação é identificada como fundamental neste processo em curso, com uma política industrial e esforço tecnológico de elevação substancial dos recursos em P&D em tecnologias chaves (cujo aumento foi de 170% entre 2005 e 2010), com prioridade em tecnologias centrais como softwares e semicondutores, que busque sair da simples fabricação de produtos para a criação de novos produtos, novos desenhos: substituir o modelo “Made in China” para o “Created in China”. Assim, visa a: 1) mudança no padrão de acumulação, distribuição de renda e criação de mecanismos de coesão social; 2) catch-up tecnológico com tecnologia endógena; 3) novas frentes de expansão de âmbito regional como eixo de ampliação de mercados para a indústria pesada e naval, segurança energética e investimento em infraestruturas (rotas comerciais).
Em termos econômicos, a China dobra seus PIB per capita de forma muito acelerada, em termos absolutos e comparativos com outras nações ao longo da história, crescendo de forma ininterrupta desde 1952 (lançamento do primeiro plano qüinqüenal) em taxas de crescimento médio de 7%. Ao agir como “duplo-pólo na economia mundial” (Medeiros, 2006), há um aumento e manutenção dos preços internacionais das commodities com a estabilização ou baixo crescimento dos preços da manufatura, cujos termos de troca favoráveis aos países periféricos produtores de commodities favoreceram a expansão mundial do consumo de massa com redução da pobreza absoluta; em outros termos, durante o boom das commodities, a estratégia econômica chinesa no mundo tinha uma ênfase nas relações comerciais.. Entretanto, após a crise de 2008 e a inauguração de sua estratégia de going global (financiamento de suas empresas para conseguir novos mercados mundiais), com ênfase em investimentos (via IED) e financiamentos (oil for loan) em setores estratégicos como infraestrutura e minérios, a China deixa de ser receptora de capitais e passa a exportadora, influenciando distintos rincões geográficos com vultuosas quantidades de investimentos. Para a China, as razões deste processo seriam a articulação entre excesso de capacidade, busca de novos mercados e expansão do modelo de acumulação.
No que se refere ao Estado chinês, sua trajetória é marcada pelo enfrentamento de diversas contradições internas, que desafiam a ampliação e aprofundamento do modelo mais equitativo: um padrão de acumulação centrado no Estado em contraponto a ordem neoliberal, mas que incorpora muito de seus elementos. Em outros termos, uma contradição entre um socialismo de mercado ou um capitalismo de Estado. Entretanto, há uma capacidade do Estado na interferência direta na economia, principalmente no setor externo, que fazem prevalecer o poder político de comando. O Estado não perde seu poder de articulação, ele é o ator chave do desenvolvimento chinês. O núcleo duro do setor produtivo chinês se concentra em 149 conglomerados empresariais/estatais que se voltam para setores estratégicos da economia chinesa, que consistem nos executores dos interesses estratégicos do Estado. Ou seja, existe a formação de “policy space” fundamental para que um país como a China possa ter controle sobre a política monetária, fiscal, financeira e industrial.
Em termos geopolíticos e nas relações exteriores, a Nova Rota da Seda (One Bealt One Road) e a Nova Rota da Seda Marítima são as novas frentes de expansão do capitalismo chinês e fazem parte de uma mesma estratégia de alargamento da integração internacional e conexão da Ásia, Europa e África; são ao mesmo tempo um projeto de ampliação das relações comerciais, culturais e de investimentos com os países da Eurásia historicamente envolvidos na rota da seda (ao norte por terra ou por mar no caso da ASEAN e África através do Mar do Sul da China, Pacífico, Índico) mas, ao mesmo tempo uma forma de escoamento do excesso de capacidade da indústria pesada (aço) em projetos de infraestrutura que formam o núcleo da estratégia. Toda essa infraestrutura continental e marítima visa, em certo sentido, contrapor ao TPP (criado pelo governo Obama na busca de cercar e minar a expansão econômica chinesa na Ásia e Pacífico) e inviabilizar os cercos que são realizados por outros países em seu entorno estratégico imediato e no seu acesso ao Mar do Sul da China.
Ainda, a paralisia das organizações multilaterais (como ONU, OMC, OIT) abriu espaço para que os BRICS agissem de forma mais enfática, que, conjugado com a crise de 2008, culmina na sua criação como entidade internacional. Ainda que os BRICS emirjam sob a hegemonia neoliberal (países híbridos da ordem neoliberal, mas com papel central e chave do Estado na coordenação e indução do desenvolvimento econômico), vem criando novos espaços de política doméstica e internacional convergentes sob o jugo de Estados desenvolvimentistas, com descentralização do poder e da ordem internacional.
Ao analisar tais elementos, começasse a compreender que a importância para a China no mundo é crescente. Em 1816, ao saber do fracasso da tentativa inglesa em estabelecer relações diplomáticas com a China, Napoleão Bonaparte profetizou uma frase que se faz cada vez mais presente: “Quando a China despertar, o mundo tremerá!”