Reflexões sobre a recuperação da mais recente Great Recession da economia norte-americana

Volume 1 | Número 3 | Ago. 2022

Por: Patrícia Nasser de Carvalho

Dados mais recentes sobre o desempenho da economia dos Estados Unidos mostram que ela está se recuperando, embora a um ritmo bem mais lento do que o esperado, desde o fim da Great Recession, – como os norte-americanos designam a sua última crise econômica, que aconteceu do fim de 2007 até a metade de 2009, – e cujas consequências ainda não foram totalmente revertidas quase cinco anos depois. Desde então, muitas pesquisas e análises tentam fazer uma leitura dessas informações para pensar quais serão as suas repercussões no curto e médio prazo. Embora muito se discuta sobre isso e diversas opiniões positivas sejam apresentadas, grande parte delas atualmente repercutem prognósticos bastante pessimistas sobre as reais possibilidades de retomada do crescimento da economia norte-americana para os próximos anos.
  
Em junho deste ano, o secretário do Tesouro, Jacob J. Lew, citando a percepção do Congressional Budget Office (CBO) sobre o tema, afirmou que o próprio governo norte-americano reviu a expectativa para a taxa de crescimento médio do PIB em 2014 para 2,1%, o que significa de 2/3 do previsto anteriormente, exatamente a média pós-recessão. Desde 2007, o CBO também cortou a sua previsão de crescimento da produção para 2017, que agora gira em torno de 7%, de acordo com a publicação do jornal The New York Times. Neste sentido, de acordo com Mr. Lew, diferentemente das crises anteriores, quando a economia norte-americana se mostrou muito resiliente e com grande capacidade de recuperação – incluindo a própria Crise dos anos 1930 –, agora não parece acontecer o mesmo. Em discurso no Economic Club of New York, um think tank que representa a elite financeira e industrial norte-americana no último mês de junho, Mr. Lew mostrou ceticismo, enfatizando as dificuldades e afirmando que ainda há dúvidas acerca da possibilidade do compartilhamento dos benefícios da inovação tecnológica e da prosperidade por toda a população dos Estados Unidos.
 
“A mais recente recessão irá passar devagar e deixará cicatrizes na economia”, concluiu, do mesmo modo, o Departamento de Empregos em um relatório divulgado no fim do ano passado, no qual também se admitiu ritmo de crescimento mais lento para a economia norte-americana para os próximos anos. A menor oferta de crédito e a aversão ao alto risco inibiram consumidores e empresários de agirem de modo mais afirmativo, além de que as soluções aplicadas com relação à elevação do teto da dívida pública em 2011, a fim de evitar calotes, conferiram ainda mais incertezas às condições de recuperação da economia para além dos efeitos dos cortes dos gastos. Mesmo o Federal Reserve (Fed), que é tradicionalmente uma instituição otimista em suas previsões, sustentou em publicação de março de 2014 que não espera uma completa retomada do crescimento da economia no futuro mais próximo, apesar de continuar com os programas de compras de títulos e segurar a taxa de juros em um nível próximo a zero desde 2008 em resposta à baixa inflação e ao alto nível de desemprego. Segundo o Fed, baseado em parâmetros históricos, a atual condição da economia mostra que ela está, de fato, bem menos robusta do que o esperado depois do fim da recessão. 
John G. Fernald, economista do Fed de San Francisco, explica em um artigo publicado em 2012, que o crescimento da produtividade norte-americana caiu assim que as companhias completaram o seu ciclo de investimento tecnológico. Segundo Fernald, houve forte aceleração da produtividade na metade dos anos 1990, seguida de queda no início dos anos 2000 até meados da crise. Após a Great Recession, os investimentos retornaram aos baixos níveis do período anterior, indicando uma tendência de manutenção do nível de produtividade durante e após a recessão. Segundo o mesmo estudo, a redução na formação bruta de capital fixo, que é cíclica, deve ser retomada só quando a economia finalmente se recobrar. Dado que os investimentos públicos caíram em torno de 8% desde 2007, o maior declínio em mais de meio século, ainda que o consumo das famílias e o comércio internacional do país venham crescendo, o cenário não estimula otimismo.  
Gauti Eggertsson e Neil Mehrotra, professores e economistas da Brown University, argumentaram em um recente paper que essa crise financeira trouxe desigualdades de renda, o que pode deixar a economia norte-americana em estado de “permanente de recessão”, caso não sejam aplicadas novas medidas mais encorajadoras, como, por exemplo, através do aumento nos gastos do governo. Esse também é o ponto de vista de Lawrence H. Summers, ex-secretário do Tesouro norte-americano durante o governo Bill Clinton, que alertou em abril deste ano para o fato de que o crescimento da economia dos Estados Unidos deve ficar abaixo das expectativas, a menos que o governo federal aumente os seus gastos como, por exemplo, por meio de investimentos em infra-estrutura e em novas tecnologias. 
Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), é outra representante de uma importante instituição que se mostrou pessimista sobre a performance da economia dos Estados Unidos. De acordo com ela, os problemas da área do euro têm acobertado as reais dificuldades norte-americanas. Do ponto de vista do FMI, os Estados Unidos entraram uma recessão estrutural, que só vem sendo agravada. 
O pessimismo não vem apenas das instituições. A CNNMoney divulgou recentemente uma pesquisa de opinião da população, que mostra que ela espera que uma verdadeira retomada da economia aconteça somente em 2017. Esse resultado não é surpreendente, visto que a restauração do nível de emprego é o mais baixo de suas séries estatísticas. Em grande medida, isso se explica pelo fato de que a renda familiar média continua estagnada e milhões de norte-americanos não conseguiram readquirir os seus empregos. A participação de adultos no mercado de trabalho, que caiu muito durante a recessão, só se recuperou um pouco mais recentemente porque muitas pessoas pararam de procurar emprego. Como a população dos Estados Unidos ainda cresce, embora a taxa de natalidade tenha declinado a cada ano entre 2007 a 2012, esses fatos não são positivos. 
Neste fluxo, Paul Craig Roberts, professor do Institute for Political Economy (IPE) do Global Research Institute defende a tese de que somente os salários de 1% da população aumentaram depois da crise. Em razão disso, o aumento do crédito disponível no mercado destinado a estudantes é um sinal das dificuldades dos jovens no mercado de trabalho, uma vez que muitos dos que não conseguiram emprego voltaram aos “estudos como uma solução” temporária, tendência que ocorre em outras partes do mundo desenvolvido em recessão. As dificuldades no mercado de trabalho significam ainda que é mais difícil para os trabalhadores assegurarem o aumento dos seus salários no processo de barganha. Como o estilo do welfare state nos Estados Unidos é de longe similar ao europeu, é bem provável que os desempregados permaneçam na linha da pobreza.
Em resumo, espalham-se dúvidas gerais sobre as condições que os Estados Unidos alcançarão para a retomada de suas taxas de crescimento entre vários destacados analistas. Mesmo que financeirização da riqueza conceda a ela características que a descolam dos elementos da economia real, elas repercutem nas expectativas dos atores políticos e econômicos, que entendem ser bem provável que a economia norte-americana continuará demonstrando poucos sinais de recuperação dinâmica de sua economia no curto e médio prazos.  
 
 
Referências:
 
CNNMoney. Americans think economy won’t recover until 2017. Disponível em: http://money.cnn.com/2014/06/06/news/economy/american-dream-poll-recovery/
 
Congressional Budget Office. Disponível em: http://www.cbo.gov/
 
Bureau of Labor Statistics. Disponível em: http://www.bls.gov/
 
Eggertsson, G. B. Mehrotra, N. R. A Model of Secular Stagnation. In: Teulings C. Baldwin, R. Secular Stagnation: Facts, Causes, and Cures. London: CEPR Press, 2014. Disponível em: http://www.voxeu.org/sites/default/files/Vox_secular_stagnation.pdf
 
Fernald, J. Productivity and Potential Output before, during, and after the Great Recession. Federal Reserve Bank of San Francisco Working Paper Series, no 18, September 2012. Disponível em: http://www.frbsf.org/economic-research/publications/working-papers/2012/wp12-18bk.pdf
 
The New York Times. U.S. Economic Recovery Looks Distant as Growth Stalls. 11th June, 2014. Disponível em: http://www.nytimes.com/2014/06/12/business/economy/us-economic-recovery-looks-distant-as-growth-lingers.html
 
Roberts, P. C. Crescimento econômico negativo: Uma nova recessão e um novo mundo sem a arrogância de Washington? Global Research Institute.
 
Patrícia Nasser de Carvalho é doutoranda em Economia Política Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Relações Internacionais na Universidade Federal Fluminense (UFF), graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é professora e coordenadora adjunta do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário LaSalle-RJ, em Niterói. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3394388400216373
Como citar:
CARVALHO, Patrícia Nasser de. Reflexões sobre a recuperação da mais recente Great Recession da economia norte-americana. Diálogos Internacionais, vol.1, n.3, ago.2014. Disponível em: https://dialogosinternacionais.com.br/?p=1828(abrir em uma nova aba)

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353