A OPERAÇÃO MILITAR DO AZERBAIJÃO EM NAGORNO-KARABAKH NOS ANOS 2020 E 2023: uma análise da tomada de decisão sob a Perspectiva Cognitiva de Análise de Política Externa

Volume 12 | Número 119 | Ago. 2025

Por Ana Carolina Chrysóstomo de Sousa de Castro,

Maria Fernanda Kerr e Nina Bonifácio

  1. Introdução

Historicamente, é possível iniciar a análise da origem do conflito entre a Armênia e o Azerbaijão na época da União Soviética. Isto se deve ao fato de que ambos os países faziam parte do Império Russo, com fronteiras delicadamente estabelecidas. Quando o Império foi destituído em 1917, os povos desses territórios ganharam o direito à independência, porém, com isso, surgiu o primeiro embate entre eles: a reivindicação do território de Nagorno-Karabakh. Como consequência, os 2 povos passaram a ocupar a região. Em 1921, a partir da criação da União Soviética, os 2 países viraram repúblicas integrantes da nação e a disputa foi controlada por Stalin, líder soviético, que estabeleceu a região em questão como parte do Azerbaijão, mesmo a população residente sendo de maioria armênia, o transformando em Oblast Autônomo em 1923. (Aparecido e Mori, 2021, p. 2)

Anos depois, com o fim da União Soviética, a região voltou a ser ponto de conflito entre armênios e azerbaijanos, dando início a Primeira Guerra de Nagorno Karabakh. Como consequência disso, um plebiscito foi realizado em 1991 para definir se Karabakh deveria virar uma república independente. O resultado foi positivo para a formação da chamada República de Artsakh, que se configura, na verdade, como um enclave armênio dentro do Azerbaijão, porém, após essa decisão, os conflitos militares que já aconteciam na região desde 1988 ficaram ainda mais graves (Loureiro e Porto, 2021). Em 1992, uma pequena cidade da região passou por uma limpeza étnica planejada por militares armênios, deixando quase 2 mil pessoas mortas e feitas de reféns, além do deslocamento forçado de milhares de civis amedrontados pelo acontecimento. A violência do conflito não se restringiu a apenas esse episódio, mas se prolongou até 1994, quando um cessar-fogo através do Protocolo de Bishkek, mediado pela então Rússia, foi assinado pelos países. Apesar da assinatura do documento garantir a independência da República de Artsakh, foi apenas questão de tempo até novas tensões surgirem na região (Almeida, 2023).

Em 2014, após a morte de quase 20 soldados de ambos os lados na região, a Armênia declarou publicamente o temor quanto à possibilidade de uma nova guerra. Como resposta, a Rússia trabalhou novamente como mediadora, buscando uma solução pacífica para o impasse. Contudo, em 2016, o conflito geopolítico voltou a mostrar indícios de tensão com a captura de aproximadamente 8 a 20 km² do território de maioria armênia pelo Azerbaijão (Almeida, 2023). Mais uma vez, as tensões foram temporariamente apaziguadas, desta vez com uma intervenção frágil da Rússia, junto dos Estados Unidos e França.

Em 2020, é oficialmente declarada a Segunda Guerra de Nagorno Karabakh, em que Armênia, Azerbaijão e a República de Nagorno Karabakh se enfrentaram violentamente por aproximadamente 6 semanas. Nesse conflito, a Turquia apoiou militarmente o Azerbaijão, que saiu como “vitorioso”. Durante esse período, o caráter diferenciado da guerra foi o uso de tecnologias avançadas, como drones e aviões de ponta (“IA e drones do Azerbaijão dominam a guerra contra Armênia”, 2020). A Rússia se envolveu de maneira mais tímida no conflito devido ao seu interesse duplo nos países envolvidos, ajudando de maneira mais participativa apenas na proposta do cessar-fogo. É importante destacar que ao fim da guerra, a população azerbaijã comemorou amplamente devido à sua visão de vitória no conflito, enquanto a população armênia protestou intensamente contra o primeiro-ministro e sua decisão de assinatura do acordo, inclusive com pedidos de renúncia e acusações de traição à nação por parte da população direcionada ao líder político (“Armênios pedem renúncia de Pashigian por causa do ‘conflito entre povos fronteiriços”, 2024). No acordo, ficou decidido que a Armênia deveria devolver grande parte dos territórios conquistados e que soldados russos seriam alocados para a região para vigiar o termômetro do conflito e as ações das duas forças militares.

Por último, em um cenário mais recente, no ano de 2023 o Azerbaijão lançou outra ação militar relâmpago para a região de Nagorno após supostamente ter sido atacado por tropas armênias, em uma clara tentativa de expulsar a população armênia do local. Como consequência, a força azeri conseguiu se estabelecer em todos os centros estratégicos de Nagorno-Karabakh, incluindo a capital Khankendi, o que levou a um rápido acordo de cessar-fogo que exigiu o desarmamento completo das forças armênias (G1, 2023). 

MAPA 1: CONFLITO ENTRE AZERBAIJÃO E ARMÊNIA EM 2020

Fonte: TRT WORLD; Padilha, 2020. Defesa Aérea & Naval.

De forma simplificada, a partir de 1988, inicia-se um conflito entre o Azerbaijão e a Armênia pelo controle da região de Nagorno-Karabakh. Em setembro de 1991, líderes armênios organizaram um referendo que declarou a região como uma república independente, conhecida como República de Artsakh. Com o conflito ainda em curso, em maio de 1992, os armênios conseguiram abrir o corredor de Lachin, que conecta Nagorno-Karabakh à Armênia, reduzindo o bloqueio imposto pelas forças azeris. Em 1994, um cessar-fogo mediado pela Rússia foi firmado, consolidando uma aparente vitória armênia; no entanto, o acordo não foi suficiente para conter a violência persistente entre as partes envolvidas (Minorities at Risk Project, 2004). Em abril de 2016, ocorreu “A Guerra dos Quatro Dias”, com centenas de mortos e com a conquista de pequenas áreas por parte do Azerbaijão. As crescentes tensões culminaram na guerra dos 44 dias entre setembro e novembro de 2020, durante a qual o Azerbaijão reconquistou partes significativas do território em disputa. O conflito foi encerrado por um acordo mediado pela Rússia, que também estabeleceu tropas como forças de paz. Já em setembro de 2023, o país lança uma operação militar relâmpago, forçando os armênios de Nagorno-Karabakh a se renderem, marcando um ponto crítico no conflito.

Portanto, neste artigo, buscamos entender as razões que levaram o Azerbaijão a realizar operações militares no território de Nagorno-Karabakh em 2020 e em 2023, analisando com mais detalhes a escalada desses últimos acontecimentos políticos. Para isso, utilizamos a Abordagem Cognitiva de Brecher, Steinberg e Stein (1969), que nos ajuda a analisar esses momentos com mais profundidade, pois analisa como os líderes pensam e percebem as circunstâncias, não apenas o que o ambiente internacional impõem, mostrando que a política externa é tanto uma construção mental quanto uma resposta às pressões externas. 

Em 2020, destacamos motivações no ambiente operacional como o desenvolvimento econômico e militar, a estrutura política do país e suas alianças internacionais. Já em 2023, consideramos, além dos motivos apontados em 2020, o contexto de uma Rússia enfraquecida pela guerra na Ucrânia, a aproximação do Azerbaijão com a União Europeia e as acusações dos ataques armênios. No entanto, fatores cruciais como as crenças, o legado histórico do país e a ideologia da nação azerbaijana, que se encontram no âmbito psicológico da abordagem, são elementos chaves que devem ser levados em consideração para se entender a tomada de decisão do Azerbaijão em ambos os momentos a serem analisados. 

  • A Abordagem Cognitiva em Análise de Política Externa

A teoria cognitiva proposta por Michael Brecher, junto com Blema Steinberg e Janice Stein (1969), oferece uma abordagem inovadora para a análise da formulação de política externa, enfatizando o papel central das percepções e predisposições psicológicas no processo decisório. Baseado nas concepções de Sprout e Sprout (1956) sobre o ambiente psicológico e na teoria do sistema político de David Easton (1953), o modelo de Brecher e suas coautoras sugere que as decisões de política externa não são tomadas de maneira objetiva, mas são moldadas pela interpretação subjetiva dosinputs (informações do ambiente operacional) filtrados pelas imagens e crenças dos líderes. Dessa forma, a interação entre esses inputs e as imagens das elites decisórias resulta em outputs (decisões), que geram um ciclo de retroalimentação, modificando o ambiente operacional e influenciando futuras decisões.

FIGURA 1: MODELO DE ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA PROPOSTO POR BRECHER, STEINBERG E STEIN (1969)

Fonte: Adaptado de Gonçalves; Pinheiros, 2020 , p.174.

Neste modelo cognitivo, os inputs são compostos por informações provenientes de duas fontes principais: o ambiente interno e o externo. O ambiente interno inclui fatores domésticos, como pressões políticas internas, identidade nacional, capacidade militar, interesses de grupos e demandas sociais. Já o ambiente externo refere-se ao contexto internacional, que envolve relações diplomáticas, condições geopolíticas, alianças e pressões econômicas. No entanto, Brecher, Steinberg e Stein (1969) argumentam que esses inputs não influenciam diretamente as decisões, mas são interpretados por meio das imagens dos decisores, que são representações subjetivas de como os líderes percebem outros Estados, situações internacionais e suas próprias capacidades no sistema global. Essas imagens funcionam como filtros cognitivos que permitem que os líderes interpretem rapidamente os comportamentos dos outros atores, ou seja, elas organizam e simplificam a realidade, podendo exagerar ou minimizar ameaças baseadas em percepções subjetivas em detrimento de avaliações objetivas da realidade.

Além das imagens, as predisposições psicológicas dos líderes, tais como as crenças, valores e emoções, desempenham um papel crucial no processo de interpretação dos inputs, pois elas alteram a percepção dos líderes sobre os eventos internacionais. Por exemplo, as crenças são conjuntos relativamente estáveis de ideias sobre como o mundo funciona, sobre a natureza de certos atores internacionais e sobre o papel do próprio país no sistema internacional; já as emoções, aumentam a intensidade com que certas ameaças são percebidas. Desse modo, um decisor com uma predisposição negativa em relação a um determinado país pode interpretar ações diplomáticas neutras como ameaças, enquanto outro, com uma visão mais cooperativa, pode ver essas mesmas ações como oportunidades de diálogo. 

O modelo cognitivo também incorpora o conceito de retroalimentação, que descreve como as decisões tomadas alteram o ambiente operacional e geram novos inputs para decisões futuras. Após a formulação de uma decisão, mudanças no contexto interno e externo influenciam as informações que os decisores recebem e, consequentemente, afetam as decisões subsequentes. Esse ciclo contínuo de interação entre decisões e modificações no ambiente cria um sistema dinâmico e adaptável, no qual as ações passadas se tornam parte do processo decisório futuro. Assim, Brecher e suas coautoras, Steinberg e Stein (1969), apresentaram um modelo que oferece uma análise mais profunda e complexa, considerando tanto os fatores objetivos quanto as percepções subjetivas e explicando como essas interações contribuem para a formulação de políticas externas.

  • A operação do Azerbaijão por meio da abordagem cognitiva

Os inputs internos do Azerbaijão no conflito de Nagorno-Karabakh em 2020 e em 2023 são marcados por fatores históricos, políticos e econômicos que moldaram sua política externa em relação à Armênia. Em primeiro lugar, nos últimos 20 anos o Azerbaijão experimentou um desenvolvimento econômico expressivo, impulsionado por sua posição como uma potência energética no mercado global. A exploração de petróleo e gás não apenas enriqueceu a economia, mas também permitiu um fortalecimento militar significativo, com investimentos robustos em tecnologia e infraestrutura bélica, possibilitando a modernização das suas forças armadas e tornando-se militarmente superior à Armênia. Este avanço foi complementado por estratégias de projeção internacional, como o uso de “sportswashing”, visando melhorar sua imagem no cenário global, atrair aliados e investimentos (Kunti, 2021).

Além disso, a estrutura política do país também é um fator a ser levado em consideração no âmbito interno. Em 1989, sob a liderança de Abulfaz Elchibey, foi fundada a Frente Popular do Azerbaijão, movimento que organizou manifestações em defesa da manutenção do controle azerbaijano sobre a região disputada. Em 1992, Elchibey foi eleito presidente nas primeiras eleições livres do país, governando até 1993 – evidência de sua popularidade frente à população. A partir de 1993 até 2003, quem esteve no poder foi Heydar Aliyev, fundador do Partido Novo Azerbaijão, que considerava o conflito armênio-azerbaijano sobre o Nagorno-Karabakh como uma prioridade estratégica. Sua figura foi progressivamente transformada em símbolo nacional, consolidando um culto à personalidade que permanece até os dias atuais, com seu nome estampado em monumentos, museus e obras públicas. Após seu falecimento, seu filho, Ilham Aliev, assumiu o cargo e é presidente do país há mais de 20 anos. Durante sua gestão, criou o cargo de Primeiro-ministro e elegeu sua esposa, Mehriban Aliyeva, aprofundando a concentração do poder familiar (Almeida, 2023). Uma das principais consequência dessa dinastia política, para além do caráter autoritário do regime – marcado pela repressão à dissidência, pelo controle dos meios de comunicação e das formas de ação coletiva e pela deterioração da liberdade de expressão (Tucker, 2013) -, é a instrumentalização da memória de Heydar Aliyev como ferramenta de legitimação do governo vigente. A figura do ex-presidente é constantemente evocada para reforçar a narrativa nacionalista, especialmente por meio da rememoração da Primeira Guerra de Nagorno-Karabakh. Essa construção simbólica alimenta a ideia de um inimigo comum – os armênios – cuja ameaça justificaria a centralização tanto do poder quanto da continuidade da família Aliyev no comando do país. 

Olhando para o âmbito externo, temos o apoio incondicional da Turquia como um input externo crucial, devido ao fato de que Ancara forneceu suporte militar direto ao Azerbaijão, incluindo drones de alta tecnologia que foram decisivos na campanha de 2020 (Bahrami, 2024). A relação estratégica entre Azerbaijão e Turquia é reforçada por afinidades culturais e interesses comuns, como a expansão da influência turca na região do Cáucaso e a contenção da Armênia. A aliança militar entre os dois países garantiu ao Azerbaijão a confiança necessária para lançar operações militares bem-sucedidas contra Karabakh (Cavalcanti, 2021).

Essas questões e o aumento das tensões nas regiões sob controle armênio, foram filtradas pelo presidente e pelo Ministério da Defesa do Azerbaijão através de predisposições psicológicas fundamentais para a tomada da decisão final. Entre essas predisposições, destaca-se a concepção de que o território, para os azerbaijanos, vai além de uma mera delimitação geográfica: trata-se de um elemento carregado de profundo significado cultural e nacional, diretamente vinculado à identidade da população. O intelectual azerbaijano, Rufat Novruzov, sintetiza essa percepção ao afirmar que a luta pelo território do Azerbaijão tornou-se uma luta pelo trabalho, pela dignidade e pela afirmação do povo e da nação azerbaijana (Torres, 2021, p. 10). Assim, a ocupação de Nagorno-Karabakh e de algumas regiões adjacentes pelos armênios, em 1994, foi percebida como uma agressão de grandes proporções, sobretudo porque a cidade de Shusha, situada na região do Alto-Karabakh, no sul do Cáucaso, é considerada um símbolo do Estado azerbaijano. Essa importância decorre não apenas da personificação do passado étnico da população, mas também do reconhecimento de Shusha como um dos principais centros científicos e culturais do país (Torres, 2021, p.07).  Além disso, a perda do controle desses territórios foi absorvida como uma vasta humilhação, especialmente diante do fato de que, desde aquela época até os dias atuais, a Armênia é um país significativamente menor e militarmente menos preparado do que o Azerbaijão (Dyner, 2020). 

Outra questão é o fato de que o Partido do Novo Azerbaijão (YAP) carece de uma ideologia forte e é totalmente baseado no culto à personalidade, nesse caso, na dos presidentes – Heydar Aliyev e Ilham Aliyev -, que passam a ser entendidos como guardiões da identidade nacional e da integridade territorial do país. A ameaça representada pela Armênia e a disputa em torno de Nagorno-Karabakh, nesse contexto, ganha um destaque central nas narrativas oficiais, sendo constantemente reforçadas para fomentar uma mobilização popular e garantir a coesão interna.

Por último, é importante considerar que os azerbaijanos constituem um grupo étnico de origem turcomana, cujo legado histórico é profundamente marcado por antagonismos em relação aos armênios. Esse sentimento hostil é reforçado por elementos identitários e narrativas nacionais compartilhadas com a Turquia – principal aliada regional do Azerbaijão -, cuja a recusa em reconhecer o genocídio armênio de 1915 ainda representa um ponto sensível nas relações entre os dois povos.  Além disso, a ideologia pan-turquista, que busca promover a união cultural, étnica e até geopolítica entre os povos de origem turcomana, exerce papel significativo na consolidação da aliança entre o Azerbaijão e a Turquia. Essa visão compartilha uma narrativa de pertencimento comum que exclui os armênios como um corpo estranho à identidade nacional (Guliyev, 2024). Tal ideologia, ao enfatizar uma identidade turcomana superior e coesa, contribui para aprofundar a desumanização do “inimigo” armênio, que são frequentemente representados pelos azerbaijanos como um “outro” hostil, dificultando a construção de uma convivência pacífica e sustentando simbolicamente o projeto político autoritário conduzido por ilham Aliyev (Almeida, 2023). 

Assim, os inputs, ou seja, os fatores operacionais – fatores internos e externos – ligados aos psicológicos – como o orgulho nacional, a história e cultura azerbaijana – foram transmitidos para os tomadores de decisões do Azerbaijão como componentes que representavam um momento oportuno para uma operação militar, implementando-a efetivamente em 27 de setembro de 2020. 

Como output dessa operação, temos a diminuição dos territórios controlados pela Armênia de 11.722 km2 para 3.170 km2, o que, em outros termos, representa a apreensão de 40 a 50% dos territórios ao redor de Nagorno-Karabakh, incluindo a fronteira com o Irã e um quarto do antigo Oblast, além da única rota da Armênia para o enclave, conhecida como corredor de Lachin, que se configura como essencial para o seu abastecimento. Em resposta a essa operação, a Rússia, por ser o principal ator regional e possuir uma base militar na Armênia (Gielow, 2020), mediou um cessar-fogo em outubro e enviou cerca de 2000 soldados como peacekeepers, garantindo o mínimo controle de uma escalada de conflito (Mendonça; Loureiro, 2023). 

No entanto, a intervenção russa a partir de 2022 recebeu um significativo retrocesso devido ao envolvimento do país na guerra com a Ucrânia, conflito que redirecionou as prioridades russas, reduzindo o apoio militar e político direcionado à Armênia em um momento de crescente tensões regionais e políticas (Olteanu, 2024). Além disso, com a imposição de sanções à Rússia, a União Europeia, a fim de reduzir sua dependência na energia do país, fechou um acordo de fornecimento de gás com o Azerbaijão, aumentando a relevância do mesmo  no cenário internacional (Valor Econômico, 2022).

Nesta mesma época, o governo do Azerbaijão promoveu a interrupção no fornecimento de gás, alimentos e medicamentos à região de Karabakh pelo corredor de Lachin, medida interpretada como uma violação do cessar-fogo estabelecido em 2020. No entanto, devido ao contexto em que o Sistema Internacional se encontrava, essa ação não recebeu a devida atenção ou sanção, o que contribuiu para uma maior margem de liberdade nas ações azerbaijanas. Posteriormente, em 19 de setembro de 2023, a explosão de duas minas resultou na morte de seis azerbaijanos – sendo dois civis e quatro policiais. Desse acontecimento, o governo do Azerbaijão atribuiu a responsabilidade do ataque a um grupo armado ilegal da Armênia, classificando o acontecimento como um estopim para o lançamento de uma nova ofensiva militar (O GLOBO, 2023). 

 A partir do processo de retroalimentação citado na abordagem cognitiva, o sucesso de 2020 contra os “líderes fascistas da Armênia”, somado a uma Rússia pouco atenta às tensões aumentando no Cáucaso, um estreitamento de laços com países da União Europeia e a acusação de um ataque armênio foram fatores que, ao serem reforçados pelas predisposições psicológicas do governo, contribuíram para uma imagem de que uma nova ação militar seria bem-sucedida e amplamente aceita. Assim, Aliyev, junto com o Ministério da Defesa, sentindo-se à vontade para tal, iniciou novamente, em 20 de setembro de 2023, uma ofensiva militar contra Nagorno-Karabakh. O governo caracterizou a ação como uma operação antiterrorista que buscava expulsar totalmente as forças armadas armênias do território, restabelecer a ordem constitucional e assegurar a segurança da população civil (Kirby, 2023), mais uma vez utilizando da narrativa de um inimigo comum externo como justificativa para uma intervenção militar. 

Como outputs dessa operação, temos um cessar-fogo em dois dias com o controle total da região de Nagorno-Karabakh pelas autoridades do Azerbaijão e a exigência da entrega de todas as armas por parte da República de Artsakh, junto com o desmantelamento de qualquer estrutura militar em troca de garantir a sobrevivência dos armênios. De acordo com o professor Tanguy Baghdadi, em vídeo publicado pelo Petit Journal (2023), o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, realizou a operação com uma retórica profundamente nacionalista, prometendo a população azerbaijana que a região voltará a ser um “paraíso”.

  1. Conclusão

Dessa forma, a Abordagem Cognitiva utilizada destaca que as decisões tomadas na política externa não são objetivas, mas influenciadas por fatores estratégicos e percepções subjetivas presentes nos dois momentos analisados, que se configuram em um ciclo contínuo de ação e retroalimentação. A saber, a região de Nagorno-Karabakh sempre foi marcada por grandes tensões ao longo de toda a sua história, mas a dinastia Aliyev conseguiu ao longo dos anos institucionalizar o histórico ódio ao povo armênio e a afirmação da sua identidade totalmente antagônico ao seu vizinho, configurando a retoma do controle desses territórios, em 2020 e logo em seguida em 2023, como grandes vitórias e motivo de comemoração, tanto pelas elites quanto pela população azerbaijana em geral. De acordo com Alexandre Almeida (2023), no dia 15 de outubro, após a “vitória” do Azerbaijão, Aliyev visitou Nagorno-Karabakh e levantou a bandeira do país em Stepanakert/Khankendi. No mês seguinte, presidiu a uma parada militar na cidade celebrando três anos desde a vitória em 2020. 

Como resultados dessas ações, milhares de armênios – cerca de 70% da população local – deixaram a regiãozinha de Karabakh com destino à Armênia ou áreas adjacentes, impulsionados por um sentimento generalizado de insegurança e pela percepção de ameaça iminente de uma limpeza étnica. Ainda que o governo do Azerbaijão tenha alegado a possibilidade de integração da população armênia à administração estatal, essa promessa não foi suficiente para conter o êxodo. Ademais, o governo da República Independente de Artsakh optou por negociar com as autoridades azerbaijanas a assinatura de um decreto que dissolveria todas as instituições da República em 2024, o que abre caminho para a consolidação de um governo centralizado e fortalecido por uma narrativa nacionalista predominante no discurso oficial do Azerbaijão (Craveiro, 2023).  

Apesar dos recentes desdobramentos, o futuro dos armênios parece incerto. Em um gesto simbólico, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, viajou ao Azerbaijão para celebrar a chamada “vitória” azerbaijana. No entanto, em vez de visitar a capital Baku, Erdogan encontrou-se com o presidente Ilham Aliyev na província de Nakhchivan – uma região do Azerbaijão separada do restante do território nacional pela porção sul da Armênia, sendo acessível apenas por meio do corredor Zangezur. Esse gesto foi amplamente interpretado como um sinal estratégico, levantando hipóteses e temores sobre uma possível tentativa de unificação territorial que envolveria a violação do território armênio. Tal cenário implicaria um novo e potencialmente grave conflito militar entre os dois países, o que evidencia a urgência de uma solução diplomática duradoura e eficaz, regulada por mecanismos internacionais (Bifolchi; Boltuc, 2023). Nesse sentido, compreender os fatores cognitivos que influenciam a tomada de decisão do Azerbaijão torna-se fundamental para antecipar possíveis desdobramentos futuros. Futuras análises, podem, portanto, explorar como a dinâmica cognitiva continuará moldando o comportamento externo do Azerbaijão diante do atual contexto de crescentes tensões com a Armênia.

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TORRES, Ricardo Juan. The role of Nagorno-Karabakh in the shaping of Armenian and Azeri identity. Mural Internacional, Rio de Janeiro, [S. l.], v. 12, p. e60446, 2021. DOI: 10.12957/rmi.2021.60446. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/muralinternacional/article/view/60446. Acesso em: 19 dez. 2024.

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Ana Carolina Chrysóstomo de Sousa de Castro é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Maria Fernanda Kerr é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Nina Bonifácio é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353