A ilegalidade do litígio entre Estados Unidos e Cuba à luz da resolução da ONU de 2010 sobre a necessidade do fim do bloqueio econômico

Volume 10 | Número 104 | Nov. 2023

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Por Acza Rodrigues Silva

INTRODUÇÃO

A segunda metade do século XX foi marcada pela Guerra Fria, conflito ideológico que envolveu de forma direta os Estados Unidos (EUA) e a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Diante desse cenário, um litígio entre Cuba e EUA foi desenvolvido. 

O bloqueio iniciou-se em 1961, quando a Revolução Cubana resultou em um ideal contrário às intervenções norte-americanas na região, proliferando um pensamento de redemocratização e igualdade social (ROCHA, 2018). A consequência disso foi o redirecionamento das atividades de intercâmbio de Cuba à área socialista. Com o passar dos anos o bloqueio foi sendo aperfeiçoado, e o mesmo vem sendo discutido na Assembléia Geral da Organização Unidas (ONU) desde os anos 1990 (ROCHA, 2018; SILVA, 2018).

O fim da URSS deixou Cuba sem subsídios e auxílios importantes para sua economia. O bloqueio foi mantido mesmo nessas situações, deixando espaço para diversas contestações quanto a política de embargos diante de fatores do Direito Internacional e dos impactos para a economia e sociedade cubana (ROCHA, 2018; SILVA, 2018).

É diante dessa problemática que se desenrola as discussões proferidas na resolução de número A/65/PV.36. Resultado da 36ª sessão plenária da Assembléia Geral das Nações Unidas em 2010, reuniu 189 votos (187 a favor e 2 contra) e 3 abstenções, acerca da necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico dos Estados Unidos sobre Cuba. 

A partir disso, este artigo tem como propósito se utilizar da análise desta resolução para salientar a ilegalidade do litígio e a intenção dos países diante disso. Em um primeiro momento será apresentado um apanhado de pronunciamentos na sessão levando em consideração aspectos históricos e políticos para a melhor compreensão da conjuntura cubana.

Em seguida, será feita uma breve exposição do progresso das discussões envolvendo o litígio. E por fim, de acordo com as informações retiradas da análise há um apanhado de fatores que comprovam a ilegalidade do embargo. Como principal instrumento de coleta de dados, conduziu-se uma revisão bibliográfica de publicações acadêmicas, proporcionando uma base teórica para a pesquisa. 

OS PRONUNCIAMENTOS  

 No decorrer da Assembléia certos oradores, representantes de Estados, desejaram explicar seus votos antes da votação, e algumas falas relevantes devem ser destacadas. 

Em primeiro lugar, o ministro de planejamento e cooperação internacional do Yemen, relatou a opinião do Grupo dos 77 (grupo dos países em desenvolvimento) e China, quanto ao bloqueio ser contrário a Carta da ONU, ao direito internacional e ao princípio da boa vizinhança. Adicionou ainda que os EUA deveriam considerar os princípios de respeito mútuo e não interferência em assuntos internos de outros países, e reiterou que o bloqueio prejudica o desenvolvimento e afeta de forma negativa a cooperação regional.

 Bahamas se pronunciou representando os 14 membros da Comunidade do Caribe (CARICOM). A representante do país destaca que o bloqueio punitivo preocupa o bloco em especial por estes terem mantido relações estreitas com Cuba, o Estado mais populoso do Caribe, cooperando em esferas comerciais, de saúde, infraestrutura e desenvolvimento de recursos humanos. Assim, afirma que o bloqueio não é uma punição apenas a Cuba, e sim um impedimento do desenvolvimento regional da Comunidade.

O Brasil representou o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). A representante brasileira na reunião ressaltou que haviam tido avanços na reunião do ano anterior, mas lamentou que não tenham tido maiores modificações. Finalizou seu pronunciamento com a afirmação de que o embargo é um exemplo de política obsoleta. A representante do México exprimiu que o governo sustenta suas relações bilaterais e multilaterais com Cuba, mantendo a solidez e continuidade ancoradas em laços históricos. Com o intuito de concluir, concordou com a maioria dos oradores que o referido embargo já perdura por mais de meio século, e afetou a população cubana de forma silenciosa, sistemática e cumulativa.

A Rússia também se pronunciou. O representante do país falou sobre o mantimento do embargo ser contraproducente, anacrônico e não compatível com a realidade. Por conseguinte, relatou as adoções de medidas que levantavam maiores restrições relativas a visitas à Cuba e as transferências monetárias e postais realizadas. O projeto de resolução de Cuba foi apresentado pelo Ministro de Relações Exteriores Cubano. Foi citado que a política dos EUA contra Cuba não tinha sustentação ética ou legal, credibilidade ou apoio. O Ministro afirmou que mesmo o presidente norte-americano tendo proclamado um recomeço com Cuba, nada havia mudado. Junto a isso, ressaltou os setores do país que são mais prejudicados, como a saúde e a alimentação, e relata que o dano econômico causado dentro dos 50 anos de bloqueio já superava 751.000 milhões de dólares.

Os EUA foram um dos últimos países a se pronunciar. O representante norte-americano iniciou sua fala mostrando empatia e compreensão diante dos desejos do povo cubano de decidir o futuro de seu país. Entretanto, afirma que assim como os outros Estados membros, possuem o direito de conduzir suas relações econômicas da forma que preferirem. Em seguida, falou-se sobre uma disposição em estabelecer colaboração com o governo cubano, porém, o representante estadunidense alegou que existe um longo caminho a percorrer para superar décadas de desconfiança. O país finalizou listando uma série de progressos no âmbito da exportação — agrícola e de comunicação—, das migrações e dos intercâmbios artísticos e culturais, além de citar a disposição do até então Presidente Obama em começar a resolver o assunto.

Por fim, as condições da votação foram finalizadas em 187 votos contra o bloqueio, 2 votos a favor da continuidade, sendo estes de Israel e Estados Unidos, aliados históricos e 3 abstenções das Ilhas Marshall, Micronésia e Palau. 

A CONTINUIDADE DO LITÍGIO 

Barack Obama foi eleito o 44º presidente dos EUA em 2008. O presidente então começou a dar indícios de uma possível retomada de relações com Cuba, fazendo menções ao embargo e prometendo uma mudança de atitude, não tão severa por objetivar a adesão de melhores condições democráticas em Cuba. Ademais, retirou restrições severas aplicadas por Bush e permitiu empresas estadunidenses a oferecer serviços de telecomunicação a cuba  (GONÇALVES; SANTOS, 2021, p. 8-9).

Em 2011 Raúl Castro realizou a abertura e as reformas econômicas, e em 2012 Obama foi reeleito. Nesse momento, os EUA continuaram a considerar uma maior aproximação com Cuba, e a mentalidade da população que não vivenciou a Revolução Cubana já estava se transformando e formando pessoas mais dispostas ao diálogo. No final de 2014 foram publicadas negociações realizadas por Obama e Raúl Castro na tentativa de pôr um fim na tensão. Todavia, em 2017, Donald Trump voltou atrás com as decisões realizadas, restaurando restrições a viagens, e reiterando o embargo (GONÇALVES; SANTOS, 2021, p. 3). 

Já em 2018 o conflito ainda se acentuou a partir da nomeação de John Bolton, ex-embaixador estadunidense na ONU como novo conselheiro de Segurança Nacional, profissional conhecido por seu conservadorismo e por não utilizar a diplomacia como meio de alcançar seus objetivos. Bolton em um discurso referente a visão do governo Trump sobre a política estadunidense para a América Latina se referiu a Cuba, Nicarágua e Venezuela como “troika da tirania” (GONÇALVES; SANTOS, 2021, p. 17-18). 

O litígio não foi resolvido até os dias atuais. A última Assembléia referente ao fim do embargo foi realizada em novembro de 2022. A Assembléia Geral da ONU aprovou mais uma vez por 185 votos a favor uma resolução apresentada por Cuba pedindo o fim do bloqueio. Os votos contra se mantiveram sendo dos EUA e de Israel, enquanto os países que se abstiveram foram o Brasil e a Ucrânia (G1, 2022).

A ILEGALIDADE DO EMBARGO 

É claro o interesse mundial diante da ONU de resolver o impasse. Contudo, a posição relutante norte-americana em manter o bloqueio chega a ser representado como um “crime contra Cuba” por alguns atores. O imperialismo e a hegemonia norte-americana, em especial sobre a américa latina, torna quase impossível estabelecer certos controles sobre suas decisões. Sua irreverência ao Direito Internacional nos momentos da história em que seus interesses estão em jogo é exemplo nítido disso. (FERNÁNDEZ, 2021; ANDRADE 2011)

 É correta a posição dos oradores em dizer que o bloqueio é contrário à carta da ONU e ilegal diante do Direito Internacional Público. Logo, o bloqueio é uma ilegalidade internacional que viola princípios como a igualdade soberana, autonomia, não ingerência nos assuntos dos outros Estados e cooperação internacional. (SILVA, 2015; FERNÁNDEZ, 2021). 

Em primeiro lugar, existe uma tendência nos EUA de expandir sua jurisdição, se baseando em sua “doutrina dos efeitos”, a qual leva em consideração que apesar de violar princípios do Direito internacional, os Tribunais dos EUA devem exercer sua jurisdição sobre condutas ou bens externos que tenham efeitos no seu território. Nesse viés, é possível destacar alguns exemplos de como esses princípios são violados. A política de perseguição financeira às operações financeiras em Cuba é a que possui maior impacto no país. Através do impedimento à obtenção de créditos e a imposição de multas a bancos que negociem com a ilha causou-se um dano de cerca de U$130,2 bi (cento e trinta bilhões de dólares) à Cuba. O bloqueio também afeta os programas de cooperação internacional de Cuba, em especial os programas de educação e saúde (ROCHA, 2018). 

Portanto, o que se entende desta conjuntura é que apesar de todo apoio que a situação cubana foi adquirindo ao longo dos anos e da condenação ao bloqueio de forma quase unânime, a agenda ainda possui longos caminhos para percorrer, levando em consideração as forças do país que o impõe. Os EUA só estarão dispostos a remover o bloqueio, quando isto se tornar vantajoso para a nação norte-americana. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A partir dessa análise, é possível perceber tamanha complexidade e instabilidade tratando-se da temática. Como visto, o embargo já se prolonga por mais de meio século e as consequências recaem sobre a população cubana. A votação deixa muito claro a posição mundial diante do conflito. Os países demonstraram até certo questionamento do porque tal elemento ainda teria que ser discutido. Até mesmo aliados históricos dos Estados Unidos como a Inglaterra, França e outros se posicionaram contra.  Os que se posicionaram a favor da continuidade, EUA e Israel, compõem respectivamente o autor do embargo e um grande campo de influência norte-americana. 

Em seguida, por meio da análise de como se sequenciou o litígio após 2010 percebe-se que estavam sendo feitos avanços, mas a onda conservadora que atingiu os EUA impactou fortemente nessa agenda. 

E por fim, ao pontuar os motivos pelos quais o embargo se encontra na ilegalidade internacional, isto é a privação de Cuba a exercer seus direitos como Estado soberano, é possível perceber que a situação provavelmente não irá se reverter em breve. Mesmo a pauta recebendo visibilidade para votação no Conselho de Segurança da ONU, devido ao poder de veto dos Estados Unidos como grande potência, a possibilidade de fim do embargo seria derrubada. Enquanto isso, Cuba sofre as consequências tanto no âmbito externo quanto no âmbito interno. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU (AG). Resolução 36/65. AG Index: A/65/PV.36, 26 de outubro de 2010. Disponível em: https://undocs.org/es/A/65/PV.36 . Último acesso em: Último acesso em: 13 de março de 2023. 

ANDRADE, Renan Costa. Legitimidade e direito internacional: uma análise conceitual e empírica sobre o uso da força no cenário internacional contemporâneo. 2011. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/34810 . Último acesso em: 13 de março de 2023. 

FERNÁNDEZ, Rodolfo D. Dávalos. ¿ Embargo o bloqueo? La instrumentación de un crimen contra Cuba. RUTH, 2021. Disponível em: https://books.google.com/books?hl=pt-BR&lr=&id=J-WYEAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT4&dq=embargo+cuba+2021&ots=OYfpJYqETa&sig=HuFfiHJSKF_cPnxT41U-4e_elIY . Último acesso em: 13 de março de 2023. 

GONÇALVES, Fernanda Cristina Nanci Izidoro; SANTOS, Nathan Oliveira dos. Do avanço ao recuo: a Política Externa estadunidense para Cuba nos governos Obama e Trump. Carta Internacional, 16(3), e116, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.21530/ci.v16n3.2021.1163 . Último acesso em: Último acesso em: 13 de março de 2023. 

Na Assembleia Geral da ONU, 185 países pedem o fim do embargo dos EUA a Cuba; Brasil se abstém. G1, 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/11/03/na-assembleia-geral-da-onu-185-paises-pedem-o-fim-do-embargo-dos-eua-a-cuba-brasil-se-abstem.ghtml . Último acesso em: Último acesso em: 13 de março de 2023. 

ROCHA, Gabriel Dourado. As Potencialidades e os limites do Direito Internacional Público contemporâneo: uma análise do bloqueio imposto a Cuba pelos EUA. 2018. 45 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Direito) – Faculdade de Direito e Relações Internacionais, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/bitstream/prefix/1744/1/GabrielDouradoRocha.pdf . Último acesso em: Último acesso em: 13 de março de 2023. 

SILVA, Camila de Castro.  Princípios gerais do direito internacional, como fonte do direito internacional. Jusbrasil, 2015. Disponível em: https://camilladecastro.jusbrasil.com.br/artigos/348820119/principios-gerais-do-direito-internacional-como-fonte-do-direito-internacional . Último acesso em: 13 de março de 2023. 

SILVA, Elvis Kesley Alexandre da. Aspectos econômicos de Cuba entre os anos 1990 e 2000. Caruaru: O Autor, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/41963/1/SILVA%2c%20Elvis%20Kesley%20Alexandre%20da.pdf . Último acesso em: Último acesso em: 13 de março de 2023. 

Acza Rodrigues Silva é estudante de graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ). Extensão em Mídia, Cultura e Leste Asiático (UFRJ) e integrante da empresa júnior de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da UFRJ Proged. Inglês fluente, cursando o curso para professores no CCAA, e espanhol básico.

Este trabalho foi feito com a supervisão da professora Larissa Rosevics (IRID/UFRJ).

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353