Estratégias de desenvolvimento regional chinês: a Área da Grande Baía de Cantão-Hong Kong-Macau
Volume 11 | Número 110 | Ago. 2024
Por Pedro Castrioto Saramago Meira de Vasconcello
INTRODUÇÃO
Em um pronunciamento oficial no final de 2023, o presidente Xi Jinping reafirmou a importância da Área da Grande Baía de Cantão-Hong Kong-Macau como uma das mais relevantes para a continuação do crescimento econômico chinês (CARRAWAY, 2024). De acordo com o site oficial honconguês para o Projeto da Área da Grande Baía de Cantão-Hong Kong-Macau, que foi inicialmente mencionado em dezembro de 2016 no 13° Plano Quinquenal Chinês, consiste na formação de uma região com foco no desenvolvimento tecnológico e inovação com o compromisso de reforma e abertura para o exterior. Esse plano, voltado para a região da Grande Bahia, inclui nove municípios (Guangzhou, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen e Zhaoqing) da China Continental e as duas zonas administrativas especiais, Hong Kong e Macau. Ao investir grandes quantias na região de Cantão, já em destaque no território chinês pelo seu alto desenvolvimento tecnológico, o governo da China pretende fortalecer essa área e integrá-la economicamente com as duas zonas que têm já sua importância econômica comprovada. A intenção de Pequim é que esse projeto esteja pronto em 2035 (SHANGHAI DAILY, 2019).
Uma das principais políticas econômicas adotadas na China foi a das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs). O termo é uma expressão genérica que cobre todas as variações das zonas comerciais tradicionais. Para que uma região encaixe-se no termo, é necessário que: (a) seja uma área geograficamente delimitada; (b) tenha uma única administração; (c) ofereça benefícios baseados na localização física dentro da zona e (d) tenha uma alfândega separada e com um procedimento mais célere (BANCO MUNDIAL, 2009). Adicionalmente, é comum que uma ZEE opere sob um regime econômico mais liberal do que aquele que prevalece no resto do território nacional. Os dois tipos de vantagens proporcionados por essas zonas são diretos e indiretos. Os diretos incluem coisas como investimento estrangeiro direto, aumento da arrecadação governamental, aumento nas exportações e aumento nas reservas de moeda estrangeira (fato que permite maior controle do mercado monetário nacional). Os efeitos indiretos incluem coisas como diversificação de exportações, transferência de tecnologia, maior capacitação da mão de obra, além de servir de área de testes para reformas econômicas (ZENG, 2010).
Há variados tipos de ZEE como zonas de livre comércio, zonas de processamento de exportações, parques industriais, portos livres, zonas de empreendimentos, áreas administrativas, conglomerados industriais. Para Wong (1987), o termo ZEE é usado na China para se referir a um complexo de atividades econômicas e serviços relacionados ao invés de uma entidade unifuncional. Em 2014, a China tinha 6 ZEEs, 14 cidades costeiras abertas, 4 áreas-piloto de comércio livre e cinco áreas-piloto de reforma financeira. Além disso, 114 parques de desenvolvimento de alta tecnologia, 164 parques de tecnologia agrícola, 85 parques eco-industriais entre outros. Estima-se que, no ano de 2016, as ZEEs contribuíram em 22% para o PIB chinês, 45% dos investimentos estrangeiros diretos (IEDs) e 60% das exportações (CHINA DEVELOPMENT BANK, 2017).
Macau e Hong Kong, diferentemente das ZEEs, são ambas Zonas de Administração Especial com uma relação única com Pequim devido à transição negociada que ocorreu dos antigos colonizadores, que ainda as controlavam até a década de 1990. Enquanto o governo central chinês ainda legisla sobre temas como política externa e defesa nacional, tanto Macau quanto Hong Kong são autônomas para organizarem-se internamente sobre todos os outros aspectos da administração pública. Assim, desde suas moedas até suas políticas migratórias, essas duas zonas diferem-se da China continental (KWAN, 2016).
Explorar a importância das ZEEs, com foco na de Shenzhen, e das zonas administrativas especiais é o objetivo deste artigo. Busca-se responder a seguinte pergunta: Quais as principais causas do desenvolvimento econômico de Shenzhen, Macau e Hong Kong? Sustenta-se, como hipótese, que o fomento à integração regional, a maior liberdade financeira e as reformas feitas na região desde a criação da ZEE de Shenzhen são os principais motivos do sucesso econômico continuado da Grande Baía.
- O FOMENTO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL
Como previamente citado, o Projeto da Área da Grande Baía tem como objetivo central o desenvolvimento da tecnologia e inovação na região, sendo um dos pilares desse projeto a integração e desenvolvimento regional. Iniciativas como a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau fazem parte do Acordo-Quadro para o Reforço da Cooperação Cantão-Hong Kong-Macau e a Promoção da Construção da Grande Baía. Esse acordo, assinado em julho de 2017, estabelece os princípios e áreas chave de cooperação para o sucesso do Projeto da Grande Baía, afirmando serem seus principais objetivos ampliar a posição de liderança do desenvolvimento econômico nacional, integrar a província de Cantão e as duas zonas administrativas de Macau e Hong Kong, além de alavancar suas vantagens integradas. Quatro partes compõem esse acordo: a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, o Governo Popular da Província de Cantão, o Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong e o Governo da Região Administrativa Especial de Macau. Analisar essa versão oficial do que é planejado para a Área da Grande Baía é essencial para considerar seus impactos e entender suas áreas de foco e principais atores envolvidos (ACORDO-QUADRO PARA O REFORÇO DA COOPERAÇÃO CANTÃO-HONG KONG-MACAU E PROMOÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA GRANDE BAÍA, 2017).
O Projeto da Grande Baía de Cantão-Hong Kong-Macau tem como principal pretensão fomentar o crescente setor tecnológico já existente em algumas das cidades da província de Cantão e aproximá-la das duas zonas administrativas com as quais faz fronteira. As nove cidades de Cantão – Guangzhou, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen e Zhaoqing – e as duas zonas administrativas especiais, Macau e Hong Kong, fazem parte da Área da Grande Baía. Sua área total é de 56.000 km² e sua população e PIB, no ano de 2020, são de 86 milhões de habitantes e 1,7 bilhão de dólares, respectivamente. O andar desse projeto é estrategicamente importante no planejamento do desenvolvimento do país, em particular na implementação da nova estratégia voltada para inovação e no compromisso com reforma e abertura (HONG KONG, 2021).
O Acordo estabelece que os objetivos da cooperação são implementar o sistema “um país, dois sistemas” de maneira completa, inovar o mecanismo de cooperação, criar uma relação de cooperação complementar mútua e avançar de maneira conjunta a Área da Grande Baía de Cantão-Hong Kong-Macau. Já as metas de cooperação são delimitadas separadamente para cada uma das três áreas do projeto. Para Cantão, são reforçar a posição de zona piloto da nação quanto à reforma e abertura e de propulsor do crescimento econômico, desenvolver centros de inovação tecnológica e industrial, além de uma base industrial avançada de manufatura e serviços modernos (ACORDO-QUADRO PARA O REFORÇO DA COOPERAÇÃO CANTÃO-HONG KONG-MACAU E PROMOÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA GRANDE BAÍA, 2017).
Para Hong Kong, essas metas são: consolidar e ampliar seu status como centro de finanças, de transporte e de comércio internacional, fortalecer sua posição como ponto focal de negócios envolvendo o Renminbi, moeda chinesa, e como centro de gestão de ativos financeiros internacional, promover o desenvolvimento de seus serviços profissionais e indústrias de tecnologia e inovação, além de tornar-se um centro para serviços legais e de resolução de conflitos na região da Ásia-Pacífico. Para Macau, a cooperação tem como metas levar a frente seu desenvolvimento como centro de lazer e turismo, tornar-se uma plataforma de cooperação econômica e comercial entre a China e os países falantes da língua portuguesa, estabelecer uma base de cooperação e troca com a cultura chinesa como mainstream e a coexistência de culturas diferentes, assim como nutrir o desenvolvimento sustentável e diversificado da economia macauense (ACORDO-QUADRO PARA O REFORÇO DA COOPERAÇÃO CANTÃO-HONG KONG-MACAU E PROMOÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA GRANDE BAÍA, 2017).
Em sentido geral, o Acordo Estrutural afirma que essa cooperação objetiva tornar e cultivar a área da Grande Baía em uma região econômica dinâmica, ideal para viver, trabalhar e viajar, funcionando como vitrine para a cooperação profunda entre a China continental e Hong Kong e Macau, capaz de construir conjuntamente uma baía de primeira classe e um aglomerado urbano a nível mundial. Além de metas, cinco princípios são delimitados para o projeto: guiar-se pela abertura econômica e anseios por inovação, alcançar-se uma situação de ganha-ganha por meio de cooperação complementar, favorecer a liderança do mercado, porém também a condução do governo, adotar-se um novo modelo de cooperação que favoreça uma reforma profunda da província de Cantão e, por fim, priorizar-se a ecologia e o desenvolvimento sustentável (ACORDO-QUADRO PARA O REFORÇO DA COOPERAÇÃO CANTÃO-HONG KONG-MACAU E PROMOÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA GRANDE BAÍA, 2017).
Para Ka Ki Kistella Chan (2020), a estratégia de formar um aglomerado industrial tornou-se uma das principais estratégias da China desde as reformas econômicas para o desenvolvimento regional. Esses aglomerados são concentrações geográficas de instituições e empresas de um setor específico. Elas são importantes tanto para competição quanto como uma ferramenta de política econômica para fomentar inovação e crescimento da economia, pois criam um ambiente em que os atores econômicos compartilham da infraestrutura local assim como de uma cultura empresarial compartilhada.
A autora também comenta que as oportunidades para investimento externo direto (IED) e trocas internacionais são uma grande possibilidade. Já no final da década de 1980, depois da política de portas abertas adotada pela China no ano de 1978, os IEDs foram mais significativos para o crescimento econômico nacional do que as exportações (CHAN,2020) Esse tipo de investimento é interessante visto que resulta não somente na transmissão de capital, mas também de conhecimentos e habilidades administrativas e técnicas, favorecendo o desenvolvimento industrial de maneira mais solidificada (WEI, 1995).
Os IEDs favorecem regiões com maior potencial de crescimento, entretanto isso cria oportunidades para cooperação com outros governos locais na construção de aglomerados econômicos que, por sua vez, geram um maior potencial de crescimento para mais regiões e atraem mais IEDs. As diferentes vantagens comparativas das cidades da Grande Baía podem ser utilizadas, dessa maneira, para acelerar o desenvolvimento econômico regional (CHAN, 2020).
Essa perspectiva sobre os investimentos externos diretos e sua interação com a formação de aglomerados em muito se conecta com o tema do liberalismo comercial abordado por Moravcsik (1997). Para ele, conflitos de distribuição podem ser internalizados numa economia e gerar um ambiente de competição entre os atores internos que afeta o bem-estar agregado. Atores demais competindo no setor de inovação poderiam gerar competição focada no seu ganho individual, o que gera detrimento do desenvolvimento econômico de sua região ou distrito. Entretanto, sustenta-se que as diferentes especialidades industriais já presentes entre as cidades da Grande Baía demonstram que seu desenvolvimento econômico conjunto pode criar uma economia regional complementar, guiada pela inovação, porém com distintos setores econômicos sendo beneficiados.
Um bom medidor das opiniões e expectativas desse setor é a pesquisa “The Greater Bay Area: A survey on key drivers for success” de 2017, ano do lançamento oficial do projeto. Os dados, colhidos de dirigentes de empresas operando na região da Grande Baía, foram obtidos e organizados nesse trabalho conjunto da KPMG, Câmara Geral de Comércio de Hong Kong e YouGov. Além da pesquisa em si, esse mesmo trabalho realizou entrevistas com empresas diversas, tanto estatais como privadas, assim como com companhias médias, pequenas e grandes, com o intuito de descobrir mais sobre seus pontos de vista em relação ao projeto (KPMG; HKGC, 2017).
A pesquisa foi conduzida entre junho e julho de 2017 e recebeu respostas de 614 dirigentes, sendo 410 em Hong Kong, 91 em Guangzhou, 82 em Shenzhen e 31 em outras cidades da Grande Baía. Aproximadamente 65% dos respondentes estavam em uma alta posição administrativa enquanto 35% estavam em posições gerenciais médias ou menores. As companhias que eles representam correspondem a variados setores industriais, em especial 157 do setor de manufatura, 143 de distribuição, 73 do setor de e-commerce, 70 do setor de varejo e 58 do setor de logística (KPMG; HKGC, 2017).
A ideia de desenvolvimento integrado de Hong Kong, Macau e Cantão foi aprovada por 80% do total de respondentes. A maior concentração percentual de apoiadores foi em Shenzhen (85%), seguida por Macau (83%), Hong Kong (80%) e Guangzhou (78%) (KPMG; HKGC, 2017).
Os maiores benefícios do projeto apontados pelos respondentes seriam um aumento das sinergias corporativas, circulação livre de talentos e um fortalecimento da habilidade de penetrar mercados. 37% dos respondentes acreditam que a Área da Grande Baía pode rivalizar em termos de escala econômica com a Área Metropolitana da Grande Tóquio em uma década. Apenas 32% acreditam que o mesmo poderia acontecer com a Baía de São Francisco e, ainda menos (28%) com a área da Grande Nova Iorque. Os respondentes de Hong Kong são os mais otimistas quanto à competitividade do projeto. Dentre os respondentes 41% acreditam que a Grande Baía rivalizará com a Grande Tóquio em uma década. Os setores industriais entendidos como os que mais se beneficiarão do sucesso do projeto são o de trocas e logísticas, serviços financeiros e desenvolvimento e pesquisa em tecnologias de inovação. A partir da opinião dos entrevistados, os pesquisadores concluem que o desenvolvimento da Grande Baía deve servir também como uma espécie de catalisador para a iniciativa Belt and Road. Para eles, as cidades da baía oferecem uma ampla gama de habilidades e serviços e devem se desenvolver conforme suas vantagens comparativas, como, por exemplo, com Shenzhen, Hong Kong ou Guangzhou focando-se em pesquisa e desenvolvimento enquanto a manufatura estaria se desenvolvendo em Dongguan e outras cidades de Cantão (KPMG; HKGC, 2017).
Compreender a perspectiva de representantes dos setores industriais e comerciais é importante, do ponto de vista do liberalismo comercial (MORAVCSIK, 1997), já que a opinião deles sobre as oportunidades criadas por esse projeto da Grande Baía gera pressões nos governos para avançar em direção à maior integração econômica. A pesquisa deixa claro em sua conclusão que as empresas podem tirar muito de valor do ‘um país, dois sistemas’, já que as duas zonas administrativas especiais têm seus próprios regimes legais e financeiros. Suas posições no sistema internacional como conexões entre a China continental e os setores financeiros, turísticos e comerciais do resto do mundo também são de imperativa importância. Por fim, levanta-se que a região como um todo tem uma das cadeias de suprimentos mais eficientes do mundo, assim como uma concentração de talentos fluentes em inglês e mandarim (KPMG; HKGC, 2017).
2 A ABERTURA ECONÔMICA E AS REFORMAS
Apesar do Projeto da Área da Grande Baía ter sido mencionado formalmente em 2016, o desenvolvimento da região de Cantão já era objeto do governo chinês desde os anos 1980. A Zona Econômica Especial de Shenzhen merece atenção especial e isso se dá por dois motivos. Primeiro, foi uma das 4 primeiras ZEEs no primeiro movimento pró-reforma tomado pelo governo chinês em 1980. Shenzhen foi escolhida devido à sua riqueza em recursos naturais. O segundo motivo é por conta de sua proximidade geográfica e econômica com as zonas administrativas especiais de Macau e Hong Kong[1]. As razões das reformas, iniciadas no final da década de 1970, foram duas: (a) a economia nacional estava estagnada devido às consequências dos dez anos de Revolução Cultural[2]; (b) o governo percebia o acelerado crescimento de economias vizinhas e do grave contraste com seu crescimento e qualidade de vida baixos. (ZENG, 2010)
Já em 2010, depois de 29 anos de funcionamento, Shenzhen já era um dos mais importantes centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de alta tecnologia e centros industriais. Entre 1980 e 2008, o PIB da cidade saiu de 4 milhões de dólares para 114 bilhões, com um crescimento anual médio de 26,9%. A entrada de investimentos externos diretos (IEDs) foi de 0,7 milhão de dólares para 4,03 bilhões. A exportação de bens de alta tecnologia subiu, entre 2001 e 2008, de US$ 11,3 bilhões para US$ 79,3 bilhões. Além do crescimento econômico, diversas reformas (sistema econômico, sistema social, competitividade de mercado, relações industriais) foram testadas em Shenzhen. (ZENG, 2010). O sucesso dessa primeira tentativa estimulou o crescimento econômico das regiões e convenceu o Partido Comunista Chinês a flexibilizar mais seu controle econômico sobre algumas áreas e cidades estratégicas (CHINA DEVELOPMENT BANK, 2017).
Zeng (2010) divide a evolução das reformas econômicas em Shenzhen em quatro distintas etapas. A primeira fase durou de 1980 a 1985 e seu principal foco foram as reformas dos sistemas de construção de infraestrutura e precificação, visto que ambos eram altamente influenciados pela economia planejada e restringiam fortemente o funcionamento da ZEE. Suas principais medidas foram: (a) promoção de competitividade no design e construção da ZEE; (b) transferência das propriedades por meio de compensações e remunerações pelo uso das terras; (c) desconstruir o sistema de controle de preços em bens capitais; (d) implementação de novos sistemas de trabalho, incluindo na área de contratos, salário e seguro de pensão; (e) ajustes no sistema de gerenciamento administrativo; e (f) reformas no sistema financeiro e de investimentos.
A segunda fase ocorreu de 1986 a 1991 e durante esse período houve um importante ajuste nas políticas industriais e de investimento de Shenzhen, com o objetivo de criar estruturas econômicas que atraíssem investimentos estrangeiros. Suas principais medidas foram: (a) reformar o uso de terrenos de propriedade estatal e o comércio de moradias; (b) seguir com o esforço de desconstrução do sistema de precificação tradicional; (c) estabelecer um sistema de alocação de funcionários (até então os empregos eram decididos pelo governo) e de seguro de pensão; (d) instituir um sistema de administração pública civil; (e) estabelecer reformas contundentes no sistema de gerenciamento administrativo com o intuito de reduzir a burocracia; (f) encorajar o empreendedorismo; (g) privatização de empresas estatais; (h) estabelecer um mercado de títulos mobiliários; (i) criar um centro de transação de câmbio internacional.
A terceira fase ocorreu de 1992 a 1997 e contou com uma série de reformas institucionais sendo promovidas pelo governo municipal de Shenzhen: (a) melhorias no processo de licitações; (b) inovações nos campos trabalhistas, salarial e de proteção social (subsídios para compra de moradias, salário mínimo, seguro de saúde); (c) estabelecer um sistema de administração dos serviços públicos moderno; (d) ampliar a reforma nas empresas estatais, por meio de privatizações e com mudanças de governança corporativa nas empresas que não o forem.
A última fase tratada pelo autor iniciou-se em 1997. Em sua análise, o processo de reforma e abertura inaugurou uma nova fase histórica na China, em que o crescimento econômico veloz serviu de força motriz para aprofundar ainda mais as reestruturações na ZEE de Shenzhen: (a) estabelecendo um mercado para a venda de propriedades imóveis; (b) provendo pensões e aposentadorias para os trabalhadores locais; (c) estabelecendo um mercado de títulos mobiliários e um mercado de ações de empresas da área de alta tecnologia; (d) reformando as unidades de serviço público; (e) aumentando a eficiência do sistema de autorizações governamentais; (f) avaliando a performance do sistema de auditoria.
Nota-se a constante preocupação dos responsáveis por planejar e executar as reformas da ZEE de Shenzhen em criar as estruturas necessárias para desenvolver a zona e, por conseguinte, a região próxima. Além de concessões no campo fiscal, o foco em melhorar a burocracia local, criar infraestrutura, atrair investimento estrangeiro direto, tecnologia e mentes, desenvolver pesquisa de alta tecnologia e facilitar o comércio internacional mudaram os olhares do mundo não somente sobre a Zona Econômica Especial e arredores, como da China como um todo. Tudo isso promove uma região mais consonante com o desenvolvimento objetivado pelo Projeto da Área da Grande Baía.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como discutido no presente trabalho, o tema do desenvolvimento regional é essencial para as estratégias de crescimento econômico dos países mais importantes do Sul Global, em especial aqueles que têm territórios e populações grandes como é o caso da China. O 14º Plano Quinquenal, um dos mais importantes planos de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento, definiu esse tema como parte integral da agenda de desenvolvimento geral chinesa (TONG, 2021). O Projeto da Área da Grande Baía, como debatido ao longo do texto, compartilha dessa perspectiva e exemplifica o potencial de investir no desenvolvimento regional de maneira planejada e a médio e longo prazo.
Entende-se que cabe, portanto, aos principais decisores nacionais adotar medidas que incentivem o capital nacional e internacional a fortalecerem as regiões nacionais estratégicas. A região da Grande Baía, com exceção de Hong Kong e Macau, era subdesenvolvida do ponto de vista econômico, fato que dificultava a relação dessas zonas administrativas com o governo chinês. Promover desenvolvimento econômico na região e estabelecer uma relação de relativa liberdade político-administrativa com Macau e Hong Kong tornaram-se focais para Pequim.
As reformas e a maior liberdade econômica conferidas à partes da região foram importantes por criar um ambiente atrativo para as indústrias nacionais e internacionais de inovação e alta tecnologia, com infraestrutura, setor financeiro e uma administração pública menos burocráticos e mais modernos. A pesquisa realizada pela KPMG demonstra que as lideranças empresariais, no geral, entendem o projeto como algo positivo que resultará em grande crescimento econômico na região.
Desse modo, compreende-se que a união do fomento à integração regional com o desenvolvimento regional de longo prazo das regiões subdesenvolvidas gerou um sucesso notável dos projetos do governo chinês para a região da Grande Baía. Cabe à outros países buscando aprimorar seus projetos de desenvolvimento regional observarem o caso de sucesso dessa região da China e tomarem as lições das décadas de desenvolvimento voltados a longo prazo necessárias para criar hoje essa região que obteve, em 2023, uma produção econômica estimada de 1,91 trilhões de dólares (GLOBAL TIMES, 2024).
REFERÊNCIAS
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CARRAWAY, Nick. China’s 2024 Priorities Tucked in Xi Jinping’s New Year Speech. The Diplomat, 2024. Disponível em: https://thediplomat.com/2024/01/chinas-2024-priorities-tucked-in-xi-jinpings-new-year-speech/ Acessado em: 06/07/2024.
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[1] O governo chinês pretende, inclusive, aprofundar essa relação por meio de seu projeto da Área da Grande Baía de Cantão-Hong Kong-Macau (KWAN, 2016).
[2] A Revolução Cultural foi uma complexa revolta social que começou como um conflito pela dominância do Partido Comunista Chinês e afetou todo o país, durou de 1966 até 1977 e deixou profundas cicatrizes na sociedade chinesa (LAMB, 2005).
Pedro Castrioto Saramago Meira de Vasconcello é bacharel em Direito pela UFF, Bacharel em Relações Internacionais pela Unilasalle-RJ. Pós-Graduando em Comércio Exterior pela Anhanguera.