Belt and Road Initiative: Rotas Potencializadoras do Soft Power Chinês
Volume 11 | Número 110 | Ago. 2024
Por Maria Clara Ribeiro Coutinho Caravana
INTRODUÇÃO
A partir de 2012, com a ascensão de Xi Jinping como Secretário-Geral do Partido Comunista Chinês e presidente da República Popular da China, encontra-se uma evidente transição da política externa chinesa. Diferente de seus antecessores, que apostaram em uma estratégia de “Keep Low Profile” (KLP) e mantinham um perfil discreto focado no crescimento pacífico e cauteloso, Xi exibiu uma China “Striving for Achievement” (SFA) que busca por cooperação, estreitar as relações com os países e sair da postura de menor participação internacional que se perpetuava nas governanças anteriores (XUETONG, 2014). Em 2013, anunciava-se a criação de uma iniciativa que visava a ampliação da cooperação transcontinental, conectando a China com a Ásia, África e Europa. Inicialmente chamada de “One Belt, One Road”, o projeto inspirado na restauração da antiga Rota da Seda veio a se tornar a prioridade do governo chinês e busca por estímulos econômicos, novas oportunidades de investimentos, desenvolvimento de infraestrutura, conectividade comercial, financeira e populacional, em uma relação integrada e positiva para todas as partes (EBRD, 2020).
Posteriormente rebatizada como “Belt and Road Initiative” (BRI), a iniciativa representa uma China assumindo uma nova postura no sistema internacional, saindo de uma potência regional para se reafirmar como uma superpotência mundial (MAÇÃES, 2018). Com o objetivo de promover a integração regional, desenvolver o comércio e estimular o crescimento econômico (EBRD, 2020), a iniciativa visa o investimento em infraestrutura para a expansão de vias terrestres e marítimas, por meio do Cinturão Econômico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima do Século XXI (BEITH, 2022).
Sendo um dos projetos de infraestrutura mais ambiciosos já concebidos, os resultados e impactos globais alcançados pela BRI, não podem ser ignorados (BEITH, 2022). A iniciativa possui uma abordagem múltipla que engloba a criação de ferrovias, oleodutos, gasodutos e portos, mas os efeitos da BRI são vistos em diversos âmbitos, seja econômico, militar, cultural ou social.
Para atingir as metas de conectividade e cooperação (OECD, 2018), a iniciativa define cinco prioridades: “coordenação de políticas; conectividade de infraestrutura; comércio livre; integração financeira e conectar as pessoas” (XI, 2016, p.549, tradução nossa) . Em março de 2022, quase dez anos após o anúncio da iniciativa, totalizavam 148 países na Belt em Road, evidenciando respostas e interesses internacionais positivos em relação ao projeto chinês (NEDOPIL, 2023).
Entretanto, a Belt and Road não se trata apenas de um projeto, ela se compõe de ideias, metáforas e processos (MAÇÃES, 2018). A China criou uma estratégia de smart power que, ao mesmo tempo em que garante seus objetivos de expansão econômica, os alinha com o multilateralismo, a cooperação mútua e o desenvolvimento pacífico. Nessa perspectiva, as expectativas em torno dos resultados da BRI vão além do desenvolvimento econômico, sendo esperado que os recursos chineses de poder brando sejam proporcionalmente aumentados com o sucesso da iniciativa (LJUSLIN, 2021).
O presente artigo busca analisar por quais meios a Belt and Road Initiative (BRI) vem agindo para potencializar os recursos de soft power chinês, sendo uma iniciativa que procura reforçar a influência da China no panorama internacional. Por meio da metodologia exploratória e pesquisa bibliográfica, utilizamos os conceitos teóricos desenvolvidos por Joseph Nye acerca de poder para explorar como o ambicioso projeto chinês cria mecanismos que podem permitir à China a ampliação do seu poder “brando”. Este é um tema valioso para o entendimento de como a China pode utilizar a BRI como projeto para firmar-se como líder regional e global.
CINTURÃO E ROTA: OS CAMINHOS PARA O SOFT POWER
Para Joseph Nye, “o poder é a habilidade de influenciar o comportamento dos outros para alcançar os resultados almejados” (NYE, 2004, p. 2, tradução nossa), sendo um conceito que recebe papel central para a compreensão das relações internacionais. Ao aplicarmos essa definição dentro de um sistema internacional, veremos Estados em busca de maximizar seu poder para assegurar que seus objetivos sejam obtidos. Nesse viés, Nye aponta que há diversos meios de influenciar o comportamento, seja a partir da coerção, através do hard power, ou da atração, com o soft power (NYE, 2004).
O hard power, baseia-se em um poder de comando, sendo vinculado à coerção e à indução (NYE, 2004). Esse, age normalmente através de recursos tangíveis de poder, como as Forças Armadas ou meios econômicos, sustentando-se a partir da força militar, na diplomacia coercitiva e nas sanções econômicas (WAGNER, 2014). Em contrapartida, o conceito de soft power, é definido por Nye como “a habilidade de moldar a preferência de outros” (NYE, 2004, p. 5). Este, está conectado com a cooptação, que funciona através da capacidade de atração e fundamenta-se fortemente em três recursos básicos: sua cultura (em locais onde ela é atraente), seus valores políticos (a forma como você vive no âmbito doméstico e como você comporta-se no exterior) e sua política externa (quando os outros enxergam os como legítimos e dotados de autoridade moral).
Por meio de um projeto centralizado e coordenado pela liderança política chinesa (ROLLAND, 2019), encontra-se a busca de uma potência regional em se reafirmar como global. Dessa forma, a China almeja atuar através de uma estratégia de smart power, ou seja, combinando recursos de hard e soft power para o alcance de resultados efetivos. Assim, ao enquadrar noções vistas como legítimas no sistema internacional, como paz, cooperação, inclusão, aprendizado mútuo e ganho universal em sua iniciativa, a reputação chinesa tende a se fortalecer positivamente, de maneira a agir como uma ferramenta de expansão do soft power chinês (BEITH, 2022).
Segundo Joseph Nye (2020), a China ainda está longe de igualar-se aos EUA ou à Europa em quesito de softpower, mas seria tolice ignorar os importantes ganhos que ela está obtendo. Nesse sentido, a BRI é mais que um projeto, mais do que componentes marítimos e terrestres, mais do que uma iniciativa de infraestrutura ou cooperação econômica, ela é um movimento que representa a expansão da influência chinesa e a busca da maximização do poder chinês dentro do sistema internacional (MAÇÃES, 2018).
Logo, a China vem se ajustando principalmente através da BRI para incorporar o soft power em sua estratégia nacional e internacional (BEITH, 2022), com o objetivo de possibilitá-los a utilização da atração e persuasão para atingir seus propósitos. Conforme exposto por Xi Jinping em discurso, a estratégia de aumentar o soft power e a influência da cultura chinesa no mundo faz parte de sua política externa para garantir que a voz da China seja ouvida internacionalmente (2018, p. 365).
Ignorar ou negligenciar o soft power é um erro estratégico (NYE, 2022), isso porque para conquistar influência internacional, a utilização apenas do hard power não se sustenta. Nas formulações de políticas externas, o conceito de softpower recebe destaque pelos líderes globais (NYE, 2011), sendo parte estratégica na construção de projetos eficazes, quea China não irá ignorar.
EXPORTAÇÃO CULTURAL
A iniciativa chinesa não se guiou por uma coincidência ao definir como base a restauração da antiga Rota da Seda, a Belt and Road firmou-se como um projeto que busca conectar o presente, o passado e o futuro (MCBRIDE, BERMAN e CHATZKY, 2023). A antiga Rota da Seda possui uma história marcada não só pelo sucesso comercial, mas foi responsável também por realizar um intercâmbio cultural de forma harmónica entre as nações envolvidas (WINTER, 2016).
De acordo com Nye (2004), se um país possui uma cultura e sistema ideológico admirável, os outros países tendem a segui-lo, sem necessidade de utilizar-se hard power. Conforme definição de Nye (2011), cultura é o conjunto de valores e práticas que criam significado para uma sociedade, ela é responsável por criar o padrão de comportamento social pelo qual os grupos transmitem conhecimento e valores. Para a China, a cultura é vista como um instrumento fundamental para a expansão do soft power, que através de intercâmbios busca mostrar ao mundo ser uma nação civilizada, responsável e confiável (LAI, 2012). Conforme dito por Lai (2012), a China tem a oferecer ao mundo não apenas produtos manufaturados, mas também valores e produtos culturais atraentes.
O intercâmbio cultural e a conexão das pessoas são uma das prioridades da BRI (XI, 2016). Diante de uma multiplicidade cultural, étnica, religiosa e linguística, a BRI age também como uma plataforma que busca conectar as nações, compreendendo suas diferenças, mas construindo uma relação de respeito e confiança mútua (XI, 2017). Dessa forma, dentro da iniciativa encontram-se diversos projetos no qual buscam promover as trocas culturais entre os países por meio da arte, educação, ciência, mídia, esportes, turismo, saúde e outros (BUSH, 2021).
Ademais, as relações midiáticas entram como um recurso fundamental na disseminação da força cultural e expansão do soft power chinês. Sendo uma ferramenta capaz de difundir culturas e influenciar os valores pessoais, a mídia exerce um papel importante nas relações internacionais de modo a moldar as preferências de outros e permitir que políticas internacionais sejam aceitas mais facilmente (OURIVEIS, 2013). Conforme dito por Nye (2011), a mídia de massa possui uma grande força pois ela é capaz de gerar conscientização do público e definir agendas públicas.
Os meios de comunicação e a indústria cultural criam um ambiente propício para que os países da BRI entendam a cultura um dos outros (HONGXIU, 2018). De acordo com Li Hongxiu (2018), os intercâmbios e a cooperação de mídias realizadas com a BRI são uma forma de “soft infrastructure” para conectar os povos de diferentes nações, sendo um aspecto importante para o intercâmbio cultural. Esse cenário também permite o progresso do setor industrial midiático-cultural, além de construir um desenvolvimento econômico com base em parcerias e cooperações estratégicas (HONGXIU, 2018).
A China reconhece a importância de explorar esses recursos de soft power diante da Belt and Road e investe ativamente nos meios de comunicação de massa (LJUSLIN, 2021). O Governo chinês também se dedicou a criar fontes oficiais de informações e notícias para a BRI, com o propósito de divulgar os resultados da iniciativa, seu andamento e seus ganhos. Dessa maneira, pode-se citar o Belt and Road Portal [1](yidaiyilu), site oficial que possui notícias atualizadas, base de dados, documentos oficiais, fotos, vídeos e detalhes sobre as políticas de cooperação da iniciativa em seis idiomas. Além desse, o Xinhua[2] disponibiliza uma página dedicada para a BRI disponível em 10 línguas e o Xinhua Silk Road Information Service[3], que divulga informações sobre as principais notícias relacionadas a cooperação econômica e intercâmbio cultural do projeto.
Contudo, ao entrar nessas páginas, identifica-se uma predominância de notícias focadas apenas na perspectiva chinesa e em apenas resultados positivos angariados pela iniciativa. Linda Ljuslin (2021) aponta como esta ação pode ser utilizada para a China assumir ainda mais o controle e impactar o fluxo de informação de outros países, influenciando os canais midiáticos de modo a preservar sua imagem e reputação, promovendo seu poder de forma branda. Bush (2021), aponta essa atitude também como uma reação à “guerra de discurso”, com Pequim buscando combater o sentimento anti-China presente no ocidente.
Um outro ponto peculiar utilizado pela China para promover a iniciativa, é a utilização da Indústria Cultural, como filmes, programas de televisão e músicas para abordar a BRI (OURIVEIS, 2013). A New China TV, lançou no youtube e em outras plataformas uma série de vídeos denominados “GLOBALink[4]”, que aborda os resultados da cooperação, dos projetos de infraestrutura e conta relatos de pessoas reais que são ativamente beneficiadas pela Belt and Road. Em 2016, a CGTN lançou um documentário de seis episódios com legendas em inglês[5], com entrevistas e histórias de pessoas que vivem ao longo das rotas da BRI e como o projeto teve um impacto positivo em suas vidas (BEITH, 2022).
Nesse contexto, a narrativa que a mídia e a indústria cultural exploram é a do benefício mútuo trazido pela iniciativa, sendo moldada pela liderança chinesa para alcançar os objetivos de forma positiva para todas as partes (ZHANG;WU, 2017). Assim, reforçando uma reputação positiva para a China de modo a expandir sua influência internacional de maneira branda.
Outrossim, o intercâmbio cultural-educacional entra também como uma estratégia da BRI para promover a conexão entre as pessoas, fortalecendo a compreensão mútua e troca de ideias, conhecimentos, experiências e valores entre nações. De acordo com Nye (2008), a diplomacia pública possui uma longa história de resultados positivos como fomentador de soft power e para fazê-la de maneira eficiente, é necessário o desenvolvimento de relações duradouras com indivíduos chaves, seja por meio de bolsas de estudos, intercâmbios, treinamento, seminários e canais de mídia.A BRI instituiu a Belt and Road Scholarship[6], o programa de bolsas de estudos para estudantes dos países ao longo da BRI estudarem em universidades renomadas na China. As bolsas cobrem todos os custos do ensino e permanência e oferecem a oportunidades de os alunos estrangeiros terem uma experiência imersiva na cultura chinesa com contato direto com estudantes locais (BELT AND ROAD SCHOLARSHIP, 2018).
De acordo com o Belt And Road Portal (2019), até 2017, 38.700 estudantes de países membros da BRI estudavam na China por meio de bolsas de estudos oferecidas pelo governo chines. Além disso, a “Chinese Academy of Sciences” oferece programas de mestrado e doutorado, além de já terem realizado treinamentos de ciência e tecnologia em mais de 5.000 alunos dos países da BRI. Estes programas representam os enormes investimentos chineses em poder brando, visto que a atração de estudantes estrangeiros pode facilitar a exportação cultural e criam narrativas de soft powerpositivas (NYE, 2011), além de permitir que os valores e ideias sejam transmitidos por meio desses estudantes ao retornar para seus países de origem (NYE, 2004).
Não obstante, foi após a ascensão de Xi Jinping ao poder que o Instituto Confúcio (CI) recebeu maior notoriedade no cenário internacional. O Instituto que objetiva promover a língua e cultura chinesa, transforma-se também em um valioso recurso de soft power visto que glorifica e difunde a cultura chinesa para o mundo (BEITH, 2022). De acordo com Beith (2022), um dos métodos dos hegemônicos para reforçar seu prestígio cultural e garantir sua posição na ordem mundial, é espalhar seu idioma para se estabelecer como língua franca. Em dezembro de 2018, cerca de 548 Institutos Confúcio e 1.193 Confucius Classroom já haviam sido criados em 154 países (JUNG; WANG;CHO, 2020).Dentro da BRI, em 2019, a China já havia aberto 153 Institutos Confúcio e 149 Classrooms em 54 países da iniciativa (BELT AND ROAD PORTAL, 2019).
A estratégia de incluir a diplomacia pública desempenha um importante papel nas relações internacionais e pode ser útil para a criação de uma imagem atraente do país, facilitando o alcance dos resultados almejados através desses recursos (NYE, 2008). A China sempre teve uma cultura tradicional atraente (NYE, 2020) e por meio de oportunidades educacionais, produz um cenário de atração de estudantes estrangeiros para e ampliação da propaganda externa, baseada em uma diplomacia branda (NYE, 2011).
VALORES POLÍTICOS
Um outro importante recurso de soft power relaciona-se com os valores políticos domésticos e externos de um país, que quando alinhados de maneira positiva no cenário internacional, podem gerar aceitação e legitimidade perante outras nações. Conforme dito por Nye (2004), “se um líder representa valores que os outros desejam seguir, será mais fácil liderá-los” (NYE, 2004, p. 6, tradução nossa). Assim, através da BRI, a China transmite para o mundo seus valores de desenvolvimento pacífico, seus alinhamentos com a governança global e seu modelo de prosperidade econômica(RAHMAN, 2019).
A credibilidade é uma parte essencial do soft power, quando os governos são percebidos como manipuladores e a informação é vista como propaganda, a credibilidade é destruída (NYE, 2011). Dessa forma, as virtudes demonstradas no Governo chinês e na Iniciativa Belt and Road não podem estar desalinhadas, devendo elas seguirem o mesmo viés para não caírem em contradição. Para formar e manter a imagem internacional de um país amante da paz, cooperador internacional, força anti-hegemônica e grande potência (ZHANG;WU, 2017), é essencial realizar um trabalho em parceria com a governança global e suas Organizações Internacionais (OIs).
Nesse cenário, a China tem realizado diversos esforços para mostrar que seus valores seguem lineares com aONU e suas OIs, e está disposta a contribuir efetivamente com os objetivos e metas firmadas (BEITH, 2022). A China tem se provado como exemplo internacional em multilateralismo e a Belt and Road enfatiza o interesse chinês em criar uma estratégia positiva e de ganho mútuo para o globo (LINYAN, 2017).
Em 2022, a UNDESA (Departamento das Nações Unidas para Assuntos Econômicos e Sociais) lançou o relatório “Partnering for a Brighter Shared Future: Progress Report on the Belt and Road Initiative (BRI) in Support of the United Nations 2030 Agenda”[7] , que analisa a sinergia entre a iniciativa e a Agenda 2030, além dos esforços chineses para implementar os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) na BRI (UN, 2022). O relatório também apresenta dados que demonstram como essa cooperação tem criado diversas oportunidades e resultados positivos no alcance dos ODS (UN, 2022).
De acordo com António Guterres (2017), secretário-geral da ONU, a BRI pode ser tornar um instrumento muito importante para atender a Agenda 2030 da ONU e acredita que ambas seguem na mesma direção (LINYAN, 2017). Segundo Nye (2011), quando um governo se preocupa com metas estruturais, o resultado será o aumento de seu softpower, visto que o sistema internacional valoriza os valores de diplomacia cooperativa. Nesse viés, por meio da promoção de uma iniciativa que se alinha com os valores cooperativos bem-quistos no sistema internacional, a China fortalece sua imagem positivamente e expande seu soft power dentro do sistema internacional.
Ademais, conforme dito por Nye (2011), “os recursos econômicos também podem produzir comportamentos de poder brandos e duros. Eles podem ser usados tanto para atrair quanto para coagir. Às vezes, em situações do mundo real, é difícil distinguir qual parte de uma relação econômica é composta de hard power e qual é composta de soft power” (NYE, 2011, p. 85, tradução nossa). Assim, a Belt and Road pode sofrer diversas interpretações diante do modo que gera poder para a China. O desenvolvimento e a expansão das infraestruturas facilitadas pela BRI permitem que ocorra o crescimento econômico não só para a China, mas também para as outras nações presentes na iniciativa (BUSH, 2021).
Esses resultados, em uma perspectiva tradicional, são geralmente associados com a coerção, entretanto, a iniciativa pode projetar o sistema econômico chinês para um público global sendo capaz de atraí-lo, portanto, não podendo seus ganhos serem restringidos ao hard. Nesse viés, por meio da BRI, além de atingir influência econômica, a China exporta um modelo de desenvolvimento a ser seguido pelos outros líderes e países, para atingir o sucesso econômico (DUARTE, 2012).
Diante de um triunfo econômico de crescente progresso, conforme Figura 2, o modelo chinês se torna muito atraente para muitos países em desenvolvimento (NYE, 2005). Como forma de reforçar essa atração, a China oferece aos países ajuda econômica e acesso ao seu mercado através da BRI, na qual oportuna outras nações a seguirem os valores chineses com o objetivo de fortalecer sua economia. Ademais, sendo a segunda maior economia do mundo, ela possui capacidade de estabelecer padrões para o mercado, sendo uma fonte significativa de influência política (NYE, 2020)
Figura 1. Crescimento econômico da China 1960-2023 em USD
De acordo com Rahman, “a ajuda financeira para o BRI está estabelecendo projetos de maneira persuasiva e não coercitiva, com sanções ou embargos no crescimento nas nações participantes, funcionando ao mesmo tempo como softpower” (RAHMAN, 2019, p. 319, tradução nossa). Nessa ótica, a prosperidade econômica alcançada pela China gera atração aos seus valores, com outros Estados buscando replicar o êxito alcançado aos moldes chineses (NYE, 2020) e encontrando a oportunidade de fazê-lo diante da BRI.
POLÍTICA EXTERNA
De acordo com Joseph Nye (2004), políticas governamentais internas e externas são outra potencial fonte de soft power. A Belt and Road em si já é o mais ambicioso projeto de política externa promovido pela China, sua abrangência geográfica e impacto econômico gerará resultados além das fronteiras chinesas (MAÇÃES, 2018). As políticas governamentais, quando utilizadas adequadamente, podem reforçar o soft power de um país, contudo, quando feitas de maneira hipócrita, arrogante ou indiferentes à opinião pública, pode abalar sua imagem (NYE, 2004).
Segundo Beith (2022), o Partido Comunista Chinês (PCC) é conhecido por formular suas políticas externas e agenda política não por si só, mas para servir a objetivos domésticos específicos. Nesse viés, as atividades promovidas no sistema internacional pela China, através da Belt and Road, surgem por um interesse chinês de reforçar seu poder, seja ele hard ou soft, e para isso suas políticas externas são construídas para atrair outros países para sua órbita (MAÇÃES, 2018).
Como o poder sempre depende do contexto (NYE, 2004), para uma política externa se tornar atraente para certo Estado, é necessário que seja analisada qual é a prioridade deste Estado (RAHMAN, 2019). Dessa forma, um importante pilar para a iniciativa é a construção de um sistema de cooperação de investimento e financiamento para os países da iniciativa. Conforme detalhado por Haralambides e Merk (2020), os projetos de infraestrutura da BRI já estão em andamento e até 2020, o China Development Bank já havia apoiado 400 projetos em 37 economias no valor de $110 bilhões, o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) estava envolvido em 212 projetos no valor de $67 bilhões, com expectativa de chegar a cerca de $159 bilhões e o Export–Import Bank of China havia dado suporte em cerca de 1.000 projetos em 49 economias no valor de $80 bilhões (HARALAMBIDES; MERK, 2020).
Ademais, a iniciativa conta com o apoio do China Construction Bank e trabalha com outras instituições em consórcios, como o Silk Road Fund que até o final de 2022, já havia se comprometido mais de US$ 20 bilhões em investimentos que abrangem mais de 60 países e regiões em setores de infraestrutura, recursos energéticos, cooperação financeira e industrial (SILK ROAD FUND, s.d).Nessa perspectiva, a assistência financeira promovida pela Belt and Road se torna uma política externa extremamente atrativa aos países, principalmente os subdesenvolvidos (RAHMAN, 2019). Essa assistência para projetos de desenvolvimento e infraestrutura, podem se tornar uma ferramenta estratégica para influenciar e direcionar políticas e atitudes de outros países, ou seja, permite a manifestação do soft power(RAHMAN, 2019).
Conforme dito por Xi Jinping, a China convida seus vizinhos para embarcar no trem do desenvolvimento chinês (2014, p. 543), contudo, não enfatiza como essa relação se torna mútua diante dos recursos estratégicos que a BRI pode proporcionar à China. De acordo com Rahman (2019), à medida que o outro lado ganha infraestrutura, a China ganha acesso a diversos recursos que são encontrados ao decorrer da rota, mais prosperidade econômica e expõe internacionalmente sua força capaz de angariar recursos valiosos do campo geopolítico. Com inúmeros países dentro do projeto, temos uma grande extensão rica em recursos energéticos, minerais, marítimos, terrestres e de óleo e gás (MAÇÃES, 2018).
O escopo geográfico da BRI é um de seus principais recursos de poder. Ao aumentar sua presença e influência ao longo das rotas terrestres e marítimas da BRI, a China ganha reconhecimento diante ao sistema internacional (BEITH, 2022) e tem um cenário facilitador de acúmulo de poder brando e coercitivo necessário para defender os “interesses centrais” da China (THORNE;SPEVACK, 2017). Portanto, ao mesmo tempo em que a BRI é atraente para outras nações devido ao seu potencial de crescimento econômico, a imagem da China é reforçada como líder internacional, que demonstra em suas políticas externas sua crença nos valores de cooperação mutuamente benéfica e desenvolvimento pacífico.
Diante das análises expostas, é evidente o esforço chinês em potencializar seu poder no cenário internacional e a BRI recebe destaque central no alcance desse objetivo. É importante a compreensão da iniciativa e suas estratégias, visto que seu impacto global auxilia na construção de um futuro onde a China se firma, definitivamente, como uma superpotência mundial.
É fundamental ressaltar que a Belt and Road não é só uma iniciativa de rotas ou corredores, mas se trata de uma estratégia de smart power, que combina fontes tipicamente soft, diante da promoção da cultura, valores e políticas externas chinesas construídas para melhorar a imagem da China e fazê-la atrativa diante ao sistema internacional, e hard, com múltiplos investimentos econômicos ao longo da iniciativa e fortalecimento de suas forças armadas diante de sua prosperidade econômica (BRÎNZĂ, 2018). De acordo com Nye (2011), “a China está tentando usar o smart power para transmitir a ideia de sua “ascensão pacífica” e, assim, evitar um equilíbrio de poder compensatório” (NYE, 2011, p. 105, tradução nossa).
Por fim, considerando o impacto da Belt and Road Initiative em diversos âmbitos e suas diversas interpretações de poder, os projetos estabelecidos sob a iniciativa não apenas expandem interesses mútuos, fortalecem a confiança política e garantem a cooperação entre os membros, mas também asseguram a legitimidade da China no sistema internacional. Esses fatores maximizam os recursos do poder brando chinês e reforçam sua influência no cenário global. Portanto, além do desenvolvimento econômico, infraestrutural e diplomático promovido pela BRI, a iniciativa também estabelece rotas de potencialização do soft power chinês.
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[1] Disponível em: https://www.macrotrends.net/countries/CHN/china/economic-growth-rate
[1] Para saber mais sobre o Belt and Road Portal, acesse: https://eng.yidaiyilu.gov.cn
[2] Para saber mais sobre a página dedicada do Xinhua, acesse: https://english.news.cn/silkroad
[3] Para saber mais sobre o Xinhua Silk Road Information Service, acesse: https://en.imsilkroad.com/
[4] Para saber mais sobre o GLOBALink, acesse: https://www.youtube.com/@ChinaViewTV
[5] Para saber mais sobre os episódios do documentário, acesse: https://www.youtube.com/@cgtn
[6] Para saber mais detalhes do “Belt and Road Scholarship”, acesse: https://www.chinesescholarshipcouncil.com/belt-and-road-scholarship.html
[7] Tradução: Parceria para um Futuro Compartilhado mais Brilhante: Relatório de Progresso da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) em Apoio à Agenda 2030 das Nações Unidas. Para saber mais: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/progress_report_bri-sdgs_english-final.pdf
Maria Clara Ribeiro Coutinho Caravana é internacionalista, Bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Estratégicos (INEST/UFF).