O peso do Estreito de Ormuz no abastecimento energético chinês

Volume 11 | Número 110 | Ago. 2024

Por Joyce Epiphanio

INTRODUÇÃO

O mundo atual funciona a partir do uso de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural. Antes do século XVIII, o uso deles era praticamente inexistente e foi a partir das Revoluções Industriais que houve um ativo emprego desses recursos energéticos na sociedade e se passou a ter a possibilidade de modernizar as estruturas no globo, gerando novos métodos de produção, indústrias, tecnologias e inovação, que ao longo do tempo tornaram-se fundamentais para o funcionamento dos Estados industrializados e suas economias (THE WORLD BANK, 2022). 

Todavia, uma das características desses recursos de energia é a sua distribuição desigual. As reservas ou zonas de produção – sobretudo de óleo e gás – se encontram em grande parte em países instáveis, ou com difícil alcance, em virtude de chokepoints[1] marítimos (EPIPHANIO; JAEGER, 2023). O conceito de Chokepoint se origina nas estratégias militares e na geografia do transporte, e são descritos como locais que possuem caráter estritamente estratégico, podendo ser canais, cabos e estreitos (gargalos marítimos), com aspectos físicos, que restringem a capacidade de fluxo de navios, e de circunavegação caso necessário (RODRIGUE, 2004; HUBER, 2003). 

Em seguida à descoberta de vastas reservas energéticas no território do Golfo Pérsico no Oriente Médio, houve um aumento na demanda para a aquisição dos recursos de lá oriundos, em notável parte pela China, um dos grandes atores do mercado energético mundial e dependente de recursos da região. Mas, de maneira em que o acesso aos Estados produtores locais se dá em particular por um conturbado chokepoint no mapa – o Estreito de Ormuz – há um eminente obstáculo para a China assegurar a obtenção desses produtos, visto que é uma região crucial para exercer seu abastecimento energético (WU, 2014; MARTINS; PEREIRA, 2019).

Mapa 1 – Estreito de Ormuz

Fonte: Geopolitical Futures (2017, adaptado pela autora).

Diante disso, uma forma apropriada de assegurar o consumo desses recursos se dá pela aplicação de políticas de Segurança Energética (SE), que acabam por garantir a diversificação das origens de energia e permitem uma aquisição frequente e segura dela (YERGIN, 2014). No caso da China, é provável que a SE para o Estreito de Ormuz ocorra através da Belt and Road Initiative (BRI), apresentada em 2013 pelo atual presidente Xi Jinping como um programa infraestrutural que inclui duas rotas, o Cinturão Econômico da Seda (terrestre) e a Rota da Seda Marítima, que se propõem a conectar a China a mais de 60 países, incluindo os do Golfo Pérsico, por ferrovias, rodovias, portos, redes e dutos de energia, o que favorece suas relações e o acesso a vários produtores de recursos energéticos (SANTOS, 2021).

Posto o que foi apresentado, delimita-se como objetivo deste artigo analisar a busca da China por recursos energéticos no Estreito de Ormuz por meio da BRI. Para tanto, parte-se da seguinte indagação: de que modo a BRI auxilia a China em sua busca por recursos energéticos no Estreito de Ormuz e serve como um instrumento de poder ao país? A hipótese é de que a busca chinesa na região pode fortalecer suas relações com outros Estados, além de abastecer suas necessidades energéticas internas, favorecendo o desenvolvimento de setores básicos para a sobrevivência, sustento e crescimento do país, o que consequentemente confere maior influência e capacidades competitivas para a China na esfera internacional. 

Além desta introdução, este artigo é composto por 4 seções. A primeira mostra a energia enquanto meio de poder; a segunda o Estreito de Ormuz e sua importância no provimento de energia; a terceira os interesses da China com relação à busca por recursos energéticos através da BRI, e seu foco no Estreito de Ormuz e a última, as considerações finais.

A ENERGIA COMO UM MEIO DE PODER

       Para compreender o uso da energia enquanto um objeto de poder por um Estado, é necessário o contato com o arcabouço teórico-conceitual da Economia Política Internacional (EPI), precisamente estabelecendo uma ligação com a Teoria do Poder Estrutural de Susan Strange (1988). Na Teoria do Poder Estrutural, Strange argumenta que existem dois tipos de poder utilizados em uma economia política: o poder relacional e o estrutural. Para ela, o segundo era o de mais importância e o que mais se sucedia no Sistema Internacional (SI) entre Estados e empresas. Tal poder seria “o poder de moldar e determinar as estruturas da economia política global, dentro da qual outros estados, suas instituições políticas, suas empresas, e até mesmo seus cientistas e outros profissionais têm que operar” (STRANGE, 1988, p. 24-25). 

Strange (1988) explica que esse poder se divide entre quatro pilares (segurança; produção; finanças e conhecimento) e conseguir exercer o controle desses é o que concede à potência hegemônica a capacidade de ordenar o sistema econômico e político global, já que cria um relacionamento assimétrico com o restante dos Estados – com menores capacidades – induzindo então, o comportamento destes por meio de seus interesses nacionais, sem o uso da força (STRANGE, 1988). 

Para conectar energia à essa teoria, pensa-se na importância que os recursos energéticos, e a energia gerada por eles, possuem para um país no mundo moderno: “o desenvolvimento da Civilização Urbano-Industrial está estruturalmente ligado à ampliação da capacidade de produção e uso de Energia” (OLIVEIRA, 2012, p. 27). Basicamente, a utilização de recursos energéticos é vital no suprimento de quaisquer setores de um Estado envolvendo principalmente questões econômicas, securitárias e tecnológicas. Na ausência de energia, o Estado pode colapsar e, juntamente, os pilares de poder indicados por Strange (1988), afetando sua capacidade de deter poder no SI.

O ESTREITO DE ORMUZ E A SEGURANÇA ENERGÉTICA

A globalização gerou a ampliação das trocas de bens e serviços, ultrapassando as fronteiras nacionais e aumentando o valor estratégico dos mares, o acesso às diferentes rotas marítimas e, assim, os interesses dos Estados nelas.Apoiando-se em Spykman (1944), nota-se que as atuais rotas mais estratégicas do globo se encontram na relevante zona do Rimland[2], o que promoveu a criação de diversos chokepoints na região, gerados em razão ao alto tráfego de mercadorias por essas passagens, atrelados a seus fatores geográficos e aos casuais conflitos que nelas ocorrem, esses que conseguem ser ameaçadores à segurança e ao trânsito dos navios (GUZANSKY, Y.; SCHACHTER, J.; LINDENSTRAUSS, 2011).

O Estreito de Ormuz (mapa 1) é um dentre os oito chokepoints retratados no mapa acima. Todavia, ele se destaca pela sua importância ao SI e às estratégias dos Estados, pois é a artéria principal no transporte de petróleo do Oriente Médio para o restante do mundo e a única passagem navegável que conecta as reservas petrolíferas do Golfo Pérsico ao Oceano Índico (RODRIGUE, 2004).

Geograficamente, Ormuz é um estreito localizado no Oriente Médio entre os Emirados Árabes Unidos, Omã e Irã, ele dispõe de apenas 38 km de largura em seu ponto mais estreito, e 97 km no mais largo (DYKE, 2008). Contudo, a largura das partes realmente autorizadas a navegação são muito menores, com quase 3 km em cada sentido; isso se deve pelas águas não serem tão profundas para a livre circulação de diferentes petroleiros em toda área (BRINEY, 2020; EIA, 2019), devido à presença de ilhas em sua extensão, que criam mais obstáculos ao trajeto naval e em razão do “Esquema de Separação de Tráfego”, método adotado pela Organização Marítima Internacional, que a fim de manter a ordem em áreas de navegação intensa e evitar colisões e encalhes de embarcações em águas rasas, determina que navios circulem e façam manobras, apenas em áreas específicas (IMO, s/a). 

Em um cenário no qual o acesso de um estreito fosse interditado por algum tipo de contenção, as embarcações, na maioria das vezes, teriam a opção de circulá-los recorrendo a diferentes percursos. Porém, alguns não contam com rotas alternativas. Este é o caso do Estreito de Ormuz, dadas as suas características geográficas, somadas ao fato de ser a única via marítima de saída do Golfo (RODRIGUE, 2004), e que, de acordo com a US Energy Information Administration, têm opções de desvio por terra limitadas apenas à Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, via oleodutos. Mas, os dutos em operação na região não têm capacidade suficiente para escoar uma quantidade de hidrocarbonetos que supere a que usualmente é transitada pelo gargalo em Ormuz, o que ressalta como este é imprescindível para a vazão dos recursos (EIA, 2019). Assim, os chokepoints acabam sendo elementos extremamente críticos para o abastecimento energético global, visto que uma interdição no trânsito de recursos energéticos por eles, ainda que temporariamente, pode levar a atrasos substanciais em sua distribuição aos países, além do aumento em seus custos de envio, gerando a elevação dos preços mundiais de energia (EIA, 2017).

O Estreito de Ormuz se mostra crucial no mercado de energia global, sendo o chokepoint com a maior quantia de recursos escoados diariamente e com posição estratégica próxima aos grandes produtores. No ano de 2018, a circulação de petróleo pela passagem foi em média de 21 milhões de barris por dia, equivalente a 21% do consumo global de líquidos de petróleo e cerca de um terço de todo o petróleo comercializado pelos mares, em escala mundial (Gráfico 1) (EIA, 2019). Dessa forma, cortar o fornecimento desses insumos pelo estreito afetaria uma grande parcela do SI, tendo em vista a dependência mundial em hidrocarbonetos, para a manutenção do funcionamento e desenvolvimento das estruturas internas de todos os Estados industrializados (OLIVEIRA, 2012; 2007).

Gráfico 1 – Transporte de Petróleo Bruto, Condensado e Produtos de Petróleo, 2015-2018.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da EIA (2019) [3].

A via e seus arredores são constantemente monitorados pela comunidade internacional, por ser a responsável principal pelo processo de abastecimento energético de diversos países – sobretudo do mercado asiático, o qual é dependente de petróleo do golfo para suas manufaturas, essas que têm alta relevância para outras economias e comércio internacional (CORDESMAN, 2007). A passagem também se torna essencial para o comércio exterior dos países do Golfo, com economias pouco diversificadas, guiadas basicamente pela produção e exportação de petróleo e gás, e precisam, na maioria das vezes, liberar por meio de navios, os recursos ao restante do SI, por essa rota diariamente.

Posta a alta importância do estreito tanto para Estados locais, quanto para outros do globo – dependentes de recursos energéticos – é possível imaginar que a região não seja isenta de instabilidades que arriscam causar uma eventual interdição da rota, impedindo a circulação dos hidrocarbonetos. É necessário assegurar este acesso. 

Uma das disputas mais antigas no estreito, entre Irã e Emirados Árabes Unidos até os dias atuais, refere-se à posse de três ilhas – Abu Musa, Greater Tunb e Lesser Tunb – distribuídas ao longo de Ormuz, nas rotas de entrada e saída do Golfo (RUBIN, 2002). Entende-se que esse conflito tem total relação com a posição estratégica delas, que podem permitir um maior controle do trajeto de navios e da manutenção do estreito, um fato que acaba gerando tensões entre países na região (AR GLOBAL SECURITY, 2021).

 Além disso, vale destacar as tensões mais corriqueiras acerca do Estreito de Ormuz, ocorridas entre Irã e Estados Unidos, países que colecionam conflitos na região. Mas, as tensões mais recentes foram causadas com a decisão dos EUA – durante o governo Trump – de se retirar do acordo nuclear que havia assinado com o Irã em 2015, e de impor sanções ao comércio do país e aos que importassem dele (ALI, 2019). Como consequência, o Irã dependente das exportações de recursos, passou a ameaçar constantemente que fecharia o estreito se não fossem retiradas as sanções, o que traria impactos negativos ao restante do SI. Contudo, os EUA se fazem presentes militarmente na região – mesmo não sendo grandes consumidores do petróleo local – justamente para exercer sua influência, tentando garantir a segurança e o controle do fluxo, para que não haja bloqueios da passagem, que geraria aumento nos preços de petróleo ao mundo inteiro (VIZENTINI, 2012). 

Mesmo com o que foi apresentado acerca dos riscos e instabilidades que as tensões causadas na rota podem trazer às exportações e importações de recursos, o Estreito de Ormuz continua sendo essencial para o comércio de petróleo e GNL. Desse modo, os Estados dependentes dos recursos vindos do Golfo para se manter industrializados e sustentar suas estruturas, como: segurança, produção, finanças e conhecimento – categorizadas por Strange (1988) – devem, para evitar possíveis problemas de abastecimento, adotar uma política de segurança energética para assegurar o processo. 

A SE ocorre quando o Estado, além de diversificar seus fornecedores, foca em dar proteção à infraestrutura, às redes de abastecimento e rotas comerciais, cria provisões para substituições rápidas se necessário, e se torna capaz de produzir e adquirir energia (YERGIN, 2014). Concisamente, é uma composição das políticas nacionais de um país junto às instituições internacionais, para “responder de maneira coordenada a interrupções, deslocamentos e emergências, além de ajudar a manter o fluxo constante do abastecimento energético” (YERGIN, 2014, p. 324-325).

CHINA E SEUS INTERESSES SOBRE ORMUZ

Desde o processo de modernização iniciado nos anos 1970, a China era uma grande exportadora de petróleo, tendo seu pico de exportações em 1985. Todavia, a partir dos anos 1990 ela começou a se tornar grande importadora, já que o crescimento da demanda por este bem passou a ser muito forte, motivado principalmente pelo aumento do consumo da população, a expansão do comércio exterior, e a necessidade dos setores de transporte, indústria e construção (WU, 2014). Sua dependência em recursos se torna muito mais evidente quando nos atentamos que, apesar de ter sido o 6° maior produtor de petróleo no mundo no ano de 2021 (AMOROS; BHUTADA; MA, 2022), o país – diferente dos membros da OPEP – consome basicamente toda a sua produção, que ainda não é suficiente para abastecer por completo suas necessidades internas, o que demonstra que até hoje, é preciso recorrer a outras fontes por meio da importação (DELGADO, 2021; IEA, 2000).

Com a necessidade de consumir recursos energéticos vindos de outros locais do SI para arcar com seu elevado crescimento e o próprio desenvolvimento interno, a Segurança Energética se faz fundamental na agenda de política externa chinesa – desde seu 10° plano quinquenal – devida à preocupação do Estado com a abrupta redução do abastecimento, ou o risco de um corte no fluxo de petroleiros em algum estreito ou chokepoint (PAUTASSO; OLIVEIRA, 2008; WU, 2014). Uma vez que, conforme o pensamento de Strange (1988), em sua Teoria do Poder Estrutural, a falta de energia (estrutura secundária) prejudicaria a continuidade das atividades econômicas desempenhadas pelos setores internos (ou as estruturas principais), podendo “colapsar” uma economia moderna – o país (STRANGE, 1988). Essa insegurança das rotas são um dos motivos que levaram o Estado a fortalecer sua Marinha para manter segurança dos navios que transportam os recursos; a construir grandes gasodutos e oleodutos atravessando seu território, e atualmente, a investir em seu maior projeto infraestrutural já planejado, a Belt and Road Initiative, que poderá certificar o seu abastecimento de energia no longo prazo (DAOJIONG, 2006; CHATZKY; MCBRIDE, 2020). 

O projeto BRI foi apresentado em 2013 pelo atual presidente Xi Jinping, como um conjunto de planos de transporte com o propósito de criar um “cinturão econômico da seda”, para unir a China a alguns Estados próximos. Posteriormente, o primeiro-ministro Li Keqiang em uma visita à Indonésia anunciou outros planos para a criação de uma “Rota da Seda Marítima”, a qual pudesse ligar o sudeste da China a outras regiões via mar (FERDINAND, 2016). Ao agregar ambas vertentes, surge – e se integra ao 13° Plano Quinquenal do país – a BRI, um programa transcontinental de política e investimento de longo prazo, o qual visa envolver a expansão do uso internacional do RMB; a administração de políticas; o comércio desimpedido; a integração econômica; o vínculo de pessoas e a segurança energética, por meio da conexão chinesa a 75% dos recursos energéticos disponíveis em todo o mundo, e a mais de 60 outras nações, através de: portos; gasodutos; oleodutos; ferrovias e rotas – terrestres e marítimas – ao longo de sua histórica da Rota da Seda[4]  (BRI, s/a; FERDINAND, 2016; LEHMACHER, 2016).

Como mencionado anteriormente, grande parte desses recursos importados pela China trafegam por rotas vulneráveis. Assim, a sua estratégia de SE pela BRI é de buscar reduzir os riscos causados por meio da diversificação de rotas via terrestre, para que assim existam percursos alternativos aos marítimos no transporte de petróleo e GNL, e uma maior integração chinesa com outros potenciais mercados energéticos, caso o abastecimento marítimo seja interrompido (UMBACH, 2019). Todavia, mesmo com tal empenho do país em criar outras possibilidades de rotas, cerca de 90% das viagens de comércio internacional continuariam sendo por navios (UMBACH, 2019). O que não desvaloriza as rotas e projetos terrestres, visto que esses se tornam essenciais para a política de SE em termos de diversificação.

As áreas em que o projeto se encontra majoritariamente são – fundamentando-se nas teorias de Spykman (1904) e Mackinder (1944) – as regiões do Rimland e do Heartland, extremamente importantes para um Estado se fazer presente, dado ao valor estratégico oferecido pelos recursos lá presentes, que para a China, em termos de energéticos é muito importante (SPYKMAN, 1944; MACKINDER, 1904). Assim, os diversos países locais que compõem a BRI se tornam oportunos para a que a China invista na construção de refinarias de petróleo, portos marítimos e dutos de energia – tendo em vista a farta gama de reservas energéticas e os baixos custos de produção – suportando um importante objetivo nacional, que é de garantir o suprimento estável de energia até seu território por um longo período (OHASHI, 2018; NASR, 2021).

No ano de 2021, nações como Iraque, Irã, Omã, Kuwait e principalmente Arábia Saudita foram a origem de 49% do total das importações de petróleo chinesas, e o Qatar, origem de 1.2 bilhões de pés cúbicos por dia de GNL (EIA, 2019). Porém, como o único caminho navegável, e o mais benéfico trecho para o alto escoamento desses recursos ser o instável Estreito de Ormuz, se torna importante para a China, salvaguardar sua obtenção e o fluxo destes produtos pela passagem (WATANABE, 2019).

A energia é o cerne do engajamento da China com o Estreito de Ormuz, visto que este dá acesso aos seus principais fornecedores. No entanto, é importante destacar que a rota do estreito já é comumente por ela nas suas importações e exportações com os países de lá oriundos (CFC, s/a). Mas, é importante mencionar também, que a grande preocupação em prover segurança energética através do estreito, é algo mais recente, o qual ainda está sendo concretizado e pode ser visto ao analisar a BRI, que tem como foco principal assegurar o acesso, através da 21st Century Maritime Silk Road. Dessa forma, dentre os projetos da BRI, que facilitam o interesse de assegurar a captação dos recursos pelo estreito, podem se destacar: o Porto de Gwadar e o Corredor Econômico China-Paquistão, que fazem a ligação à interseção que o Estreito de Ormuz e o Golfo Pérsico representam para a Silk Road Economic Belt e a 21st Century Maritime Silk Road(MECRIS, 2018; LI; ZESHENG, 2017). 

O Porto de Gwadar no litoral do Paquistão permite que a China proteja seus suprimentos em Ormuz, visto que: “acredita-se que Pequim esteja considerando usar o porto […], de modo a acatar uma presença militar perto do Estreito” (WATANABE, 2019, p. 4). Outro fator importante acerca de Gwadar é que este pode encurtar o tempo de trajeto dos recursos, pois está apenas a 180 milhas náuticas de distância de Ormuz, e conecta-se diretamente ao Silk Economic Belt, no Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC), como posto no mapa abaixo (BHATTI; MUSTAFA; AHMAD, 2020).

O CPEC é um dos principais projetos da BRI. Nele, estão sendo construídas rodovias; oleodutos; malhas ferroviárias; refinarias e usinas elétricas, infraestruturas que são capazes de diminuir os riscos de transportação dos recursos, vindos através de Ormuz, até o território da China (WACHMAN, 2017). A sua conexão direta ao porto de Gwadar, permite que os hidrocarbonetos do Oriente Médio descarregados no porto sejam transportados para a China através do corredor, reduzindo a jornada de 12.000 km para 2.395 km (DASGUPTA, 2015).

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Relacionado à pergunta central do artigo: Como a busca chinesa por recursos energéticos no Estreito de Ormuz serve como um instrumento de poder ao país? Conclui-se que gerenciar os recursos energéticos de forma estratégica traz ao país a capacidade de potencializar seu avanço em determinadas áreas, acumulando poder relativo. Pode-se dizer também que a busca por recursos pelo Estreito de Ormuz é capaz de fortalecer as relações da China com outros Estados – pois gera interação constante com esses – além de abastecer suas necessidades energéticas internas, e favorecer o desenvolvimento de setores importantes para o sustento e o crescimento do país. Desse modo, pode dar à China maior influência e capacidades competitivas no âmbito do Sistema Internacional. 

Vale ressaltar que até o momento não se pode afirmar que os recursos e a relação da China com o Estreito de Ormuz atuam em um nível de tornar o país em uma potência hegemônica – apesar de já estar aumentando a influência do país no local – visto que a política de SE feita com o projeto BRI, que irá permitir o acesso seguro e constante de energia, se encontra em construção e adaptação. 

REFERÊNCIAS

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[1] Pontos de congestionamento ao longo de passagens marítimas.

[2] Mais informações em: <https://www.defesaemfoco.com.br/geopolitica-teorias-do-heartland-e-do-rimland/

[3]  Não há dados disponíveis para o comércio marítimo global de óleo em 2018.

[4] Antiga rota interligada através da Ásia, usada no comércio da seda entre o Oriente Médio e Europa.

Joyce Epiphanio é bacharel em Relações Internacionais pelo Unilasalle- RJ em 2022 e pós-graduada em Gestão de Logística e Supply Chain pela FGV em 2024, além de contar com algumas experiências internacionais, incluindo palestras e certificações de cursos na área de comércio exterior. Nos últimos anos teve a oportunidade de ter sua monografia, intitulada: “Dragon Power: a Busca Energética da China Através do Estreito de Ormuz” publicada como capítulo, no livro Relações Internacionais em Perspectiva vol.12.  Link Lattes:  https://lattes.cnpq.br/4218411127756414

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353