REDUÇÃO DE EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA
Edição Especial: COP da Amazônia
Volume 12 | Número 121 | Nov. 2025
Por Vitor Sampaio Lima
INTRODUÇÃO
O mundo enfrenta uma crise climática que exige respostas rápidas e coordenadas, especialmente de países que, como o Brasil, detêm vastos recursos naturais e uma matriz energética predominantemente limpa. A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), ou COP30, que acontecerá em novembro de 2025 em Belém do Pará, no coração da Floresta Amazônica, representa uma oportunidade histórica para que o país reforce seu protagonismo climático, consolidando políticas que combinem desenvolvimento sustentável, inclusão social e preservação ambiental.
Historicamente, o Brasil já demonstrou capacidade de articulação em agendas ambientais globais, mas a pressão internacional e a necessidade de cumprimento das metas do Acordo de Paris exigem soluções cada vez mais integradas e inovadoras.
Como se sabe, o regime climático fundamenta-se no princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, entre os países, que visa a distribuir com equidade a parcela de ônus, de obrigações que cada país deve suportar nas ações de mitigação, tendo em vista suas contribuições históricas de GEE (e por que não as suas contribuições atuais?), sua capacidade interna para realizar os esforços de mitigação e adaptação e ajudar outros países, sem prejuízo de seu direito ao desenvolvimento. (REI; GONÇALVES; DE SOUZA, 2017, p. 85)
Segundo Becker (2015, p. 22), compreender a Amazônia é essencial para entender os dilemas do território brasileiro, pois a região funciona como o “centro de gravidade do país”, onde se cruzam interesses de desenvolvimento econômico e conservação ambiental. De forma complementar, Rodrigues e Góes (2024, p. 47) ressaltam que o país deve transformar seus recursos naturais em poder político e tecnológico, fortalecendo sua posição internacional sem comprometer a soberania.
O presente artigo argumenta que o Brasil possui instrumentos estratégicos para reduzir emissões de gases de efeito estufa e assumir liderança climática, desde que consiga integrar sua matriz energética limpa, práticas agrícolas sustentáveis e gestão territorial. Além disso, o texto busca demonstrar que políticas de mitigação podem ser socialmente inclusivas, fortalecendo a economia rural, comunidades tradicionais e inovação tecnológica, aspectos fundamentais para um protagonismo duradouro na COP 30.
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA JUSTA E SOBERANIA NACIONAL
A transição energética brasileira é marcada por avanços notáveis: mais de 87% da eletricidade do país provém de fontes renováveis, entre hidrelétricas, parques eólicos, solar e biomassa (EPE, 2024). Essa base limpa proporciona uma vantagem estratégica no combate às mudanças climáticas, mas a liderança brasileira não se limita a métricas energéticas: envolve também o fortalecimento da soberania tecnológica e a redução das desigualdades regionais.
Magalhães (2022, p. 50) argumenta que a transição energética só será justa se contemplar inclusão social, distribuição equitativa de oportunidades e participação ativa das comunidades locais. No Brasil, regiões historicamente periféricas podem se beneficiar do investimento em geração descentralizada de energia, especialmente solar e biomassa, criando empregos e fomentando o desenvolvimento local, que não deve ser observado apenas enquanto desenvolvimento econômico, mas como ciclo do desenvolvimento populacional – intelectual e de qualidade de vida.
O Tribunal de Contas da União (2023) aponta que a expansão de energias renováveis ainda é limitada por falta de coordenação federativa e financiamento, principalmente no Norte e Nordeste. Estratégias como a instalação de microgeração fotovoltaica em escolas e comunidades, o estímulo à bioeletricidade proveniente de resíduos agroindustriais e a implantação de parques eólicos de baixo impacto ambiental (como os offshore) mostram-se viáveis e socialmente inclusivas, além de rentáveis no longo prazo.
A inovação tecnológica desempenha papel central. O desenvolvimento do hidrogênio verde no país, por exemplo, combina eletricidade renovável com potencial de exportação estratégica, fortalecendo a posição do Brasil na geopolítica energética global (EMBER, 2023). Becker (2015, p. 104) recorda que toda expansão tecnológica deve estar ancorada em planejamento territorial e participação social; caso contrário, novas desigualdades regionais podem surgir.
AGRICULTURA DE BAIXO CARBONO E SEGURANÇA ALIMENTAR
A agricultura brasileira tem papel estratégico na redução das emissões de gases de efeito estufa, sendo simultaneamente fonte de emissões e vetor de mitigação. Segundo o Plano ABC+ do Ministério da Agricultura (MAPA, 2023), práticas como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), plantio direto e recuperação de pastagens degradadas têm potencial de reduzir mais de um bilhão de toneladas de CO₂ equivalente até 2030. A adoção dessas técnicas combina produtividade com sustentabilidade, fortalecendo a segurança alimentar e a competitividade internacional do país.
Costa e Pereira (2022, p. 15) destacam que a agricultura de baixo carbono representa uma estratégia concreta para o Brasil cumprir suas metas climáticas, conciliando crescimento econômico e responsabilidade ambiental. Além disso, a inovação tecnológica nacional em biocombustíveis, fertilizantes verdes e maquinário de precisão reforça a autonomia do país, evitando dependência excessiva de tecnologias estrangeiras (RODRIGUES; GÓES, 2024, p. 112).
A integração entre agricultura e energia também cria sinergias importantes. Resíduos agroindustriais, como bagaço de cana, restos de milho e mandioca, podem ser convertidos em biogás ou bioeletricidade, promovendo um ciclo produtivo eficiente e sustentável. Pequenos agricultores e comunidades rurais podem se beneficiar de linhas de crédito específicas e programas de assistência técnica, ampliando a inclusão social e reduzindo vulnerabilidades econômicas. Becker (2015, p. 87) observa que o conhecimento tradicional das populações amazônicas é um recurso valioso que pode orientar práticas agroecológicas inovadoras, promovendo modelos de produção mais harmoniosos com o ecossistema.
Ser uma potência no ramo de produção de alimentos não é, de nenhuma forma, uma característica negativa para o Brasil; no entanto, é necessário que se instrumentalize um método de competição internacional com investimentos estatais e diminuição da dependência externa, como no caso dos fertilizantes. Um dos países mais biodiversos do mundo deve ter capacidade de produzir seus próprios insumos verdes para garantir a soberania alimentar e a competitividade internacional.
AMAZÔNIA E GESTÃO TERRITORIAL: EIXO INTEGRADOR
A Amazônia não é apenas um bioma; é o eixo territorial que conecta políticas energéticas, agrícolas e ambientais. Para Becker (2015, p. 32), falar em “Amazônias” no plural é reconhecer a diversidade de territórios, povos e modos de ocupação que coexistem na região, cada um com seus desafios e potencialidades. O território amazônico concentra recursos estratégicos, incluindo biodiversidade, água, energia renovável e conhecimento tradicional, além de representar cerca de 60% do território brasileiro, o que o torna decisivo para qualquer estratégia de mitigação climática. “Ao longo de sua carreira, Becker defendia o valor da floresta em pé, um mantra que se tornou central para o pensamento sobre o desenvolvimento sustentável na Amazônia” (ANDREONI, 2013).
Iniciativas de bioeconomia, como o cultivo sustentável de óleos vegetais, fibras, produtos farmacêuticos e medicinais, além de cosméticos, exemplificam que é possível gerar riqueza sem comprometer a floresta. A COP 30 em Belém simboliza, portanto, a necessidade de um modelo integrado de desenvolvimento que combine conservação, inovação e participação social. Rodrigues e Góes (2024, p. 98) reforçam que o futuro da geopolítica brasileira depende da capacidade de transformar a Amazônia em um polo de poder sustentável, combinando ciência, tecnologia e políticas públicas inclusivas.
INTEGRAÇÃO, DESAFIOS E OPORTUNIDADES
A articulação entre energia, agricultura e território é o caminho mais eficaz para consolidar o protagonismo brasileiro na governança climática. A utilização de resíduos agroindustriais para produção de energia, aliada a práticas agrícolas sustentáveis e ao manejo responsável da Amazônia, cria um ciclo virtuoso capaz de reduzir emissões, gerar emprego e fortalecer comunidades locais, consequentemente desenvolvendo o país e preservando a soberania.
Ainda assim, alguns desafios persistem. A falta de coordenação entre políticas setoriais limita o potencial de mitigação. A governança da Amazônia enfrenta tensões entre interesses econômicos, sociais e ambientais, o que exige instituições fortes e políticas de longo prazo, principalmente políticas de Estado, que superam divergências governamentais. No plano internacional, o Brasil precisa equilibrar liderança ambiental e soberania sobre seus recursos, projetando-se como potência ambiental sem comprometer seu desenvolvimento (RODRIGUES; GÓES, 2024, p. 121).
As oportunidades são significativas. A COP 30 oferece visibilidade para o Brasil mostrar um modelo de desenvolvimento de baixo carbono que integra tecnologia, participação social e preservação ambiental. A combinação de transição energética, agricultura sustentável e políticas territoriais integradas pode consolidar o país como referência global de mitigação climática, contribuindo ao mesmo tempo para crescimento econômico inclusivo e fortalecimento da democracia ambiental, além de atrair investimentos externos, públicos e privados, possibilitando a cooperação para desenvolvimento de tecnologias conjuntas.
O Brasil possui um conjunto singular de atributos, o que lhe permite assumir protagonismo na redução global de emissões de gases de efeito estufa. Sua matriz energética renovável, a capacidade de inovação na agricultura de baixo carbono e a riqueza territorial da Amazônia conferem ao país condições únicas para liderar iniciativas climáticas globais.
No entanto, o protagonismo brasileiro não se limita a recursos naturais ou avanços tecnológicos. Ele exige planejamento estratégico, coordenação interinstitucional e políticas públicas que promovam inclusão social e valorizem o conhecimento local. É essencial também que haja integração entre instituições como Universidades, Empresas e o próprio Estado para que haja maior desenvolvimento de conhecimento acerca das possibilidades e potencialidades relacionadas aos temas. Como destacam Becker (2015, p. 110) e Rodrigues e Góes (2024, p. 134), a sustentabilidade no século XXI é também uma questão de poder político e capacidade de articulação diplomática.
Não se pode deixar de lado a necessidade de investimento em defesa e controle na região. Como destaca Menin (2007, p. 273), a floresta Amazônica apresenta uma das biotas mais diversificadas, além de uma grande diversidade de outros grupos animais e vegetais. Dessa forma, o Brasil precisa ter plena capacidade de assegurar sua soberania sobre esse território e desenvolver suas capacidades produtivas.
Se o Brasil conseguir integrar energia, agricultura e gestão territorial em um projeto nacional coerente, a COP 30 poderá representar o início de uma nova fase de liderança global, na qual o país combine crescimento econômico, desenvolvimento sustentável, justiça social e preservação ambiental, servindo de exemplo para outros países do Sul Global.
ANDREONI, Manuela. Bertha Becker deixa legado sobre desenvolvimento da Amazônia ‘em pé’. O Globo, 23 jul. 2013.
BECKER, Bertha K. As Amazônias de Bertha K. Becker: ensaios sobre geografia e sociedade na região amazônica. Rio de Janeiro: Garamond, 2015.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano ABC+: Agricultura de Baixa Emissão de Carbono 2020-2030. Brasília: MAPA, 2023.
CLIMATE TRANSPARENCY. Climate Transparency Report 2023: Comparing G20 Climate Action and Transition. Berlin: Climate Transparency, 2023.
COSTA, José A.; PEREIRA, Luana M. “A agricultura de baixo carbono como vetor da mitigação climática no Brasil.” Revista de Políticas Públicas Ambientais, v. 8, n. 2, 2022.
EMBER. Global Electricity Review 2023: Electricity source trends – Bioenergy. London: Ember, 2023.
EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Balanço Energético Nacional 2024. Rio de Janeiro: EPE, 2024.
MAGALHÃES, Rafael. “Transição energética justa e desigualdades regionais no Brasil.” Revista Brasileira de Energia e Sociedade, v. 5, n. 1, 2022.
MENIN, Marcelo. Amazônia: diversidade biológica e história geológica. Reptilia, v. 708, p. 273, 2007.
REI, Fernando Cardozo Fernandes; GONÇALVES, Alcindo Fernandes; DE SOUZA, Luciano Pereira. Acordo de Paris: reflexões e desafios para o regime internacional de mudanças climáticas. Veredas do Direito, v. 14, n. 29, p. 81-99, 2017.
RODRIGUES, Bernardo; GÓES, Guilherme Sandoval. Sementes do futuro da geopolítica brasileira. Rio de Janeiro: Alpheratz, 2024.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Relatório de Avaliação da Política de Transição Energética no Brasil. Brasília: TCU, 2023.
Vitor Sampaio Lima é graduando em Defesa e Gestão Estratégica Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Áreas de interesse: Geopolítica, Economia Política Internacional, Base Industrial de Defesa (BID), Amazônia e Núcleos Estratégicos Brasileiros.
Orientador do trabalho: Prof. Dr. Bernardo Salgado Rodrigues (IRID/UFRJ)
